Estados Unidos pressionam por acesso a minerais críticos brasileiros, mas governo brasileiro sinaliza que negociação depende de decisão estatal
Em meio a um cenário de tensão comercial entre Brasil e Estados Unidos, o governo norte-americano manifestou interesse em firmar acordos para aquisição de minerais considerados críticos e estratégicos — como lítio, nióbio, cobre e terras raras. O recado foi transmitido pelo encarregado de negócios da Embaixada dos EUA em Brasília, Gabriel Escobar, a representantes do setor mineral brasileiro, durante reunião realizada na última quarta-feira (23).
Sem embaixador nomeado no país, Escobar ocupa hoje a principal posição diplomática dos EUA em solo brasileiro. Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, o representante americano ouviu que qualquer tratativa sobre esses insumos deve passar, necessariamente, pelo governo federal. “Foi demonstrado o interesse dos Estados Unidos nos chamados minerais críticos e estratégicos, mas deixamos claro que cabe ao governo decidir”, declarou Jungmann, que posteriormente levou o tema ao vice-presidente Geraldo Alckmin, responsável pelas negociações com Washington.
Governo brasileiro resiste a oferta unilateral em meio a sobretaxa
Fontes do governo brasileiro ressaltam que a exploração e comercialização desses minerais são prerrogativas da União, com concessões específicas a empresas. Diante do atual impasse entre os dois países — agravado pela previsão de uma sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto —, qualquer oferta de minerais aos norte-americanos, sem contrapartidas, é considerada politicamente inviável.
Em resposta ao contato diplomático, a Embaixada dos Estados Unidos afirmou apenas que Escobar se reuniu com representantes do Ibram, mas não comentou o conteúdo da conversa, alegando se tratar de uma agenda privada.
Brasil possui reservas estratégicas e protagonismo global
O interesse norte-americano não é fortuito. Dos 51 minerais considerados críticos pelos EUA, o Brasil detém reservas relevantes de diversos deles. O país é, por exemplo, líder mundial em nióbio — com 94% das reservas conhecidas e 90% da produção global. Também figura entre os maiores detentores de terras raras, com 19% das reservas mundiais, embora responda por apenas 0,02% da produção atual.
Dados do Ministério de Minas e Energia, presentes no “Guia para o Investidor Estrangeiro em Minerais Críticos 2025”, indicam que o Brasil também possui 12,3% das reservas globais de níquel, 4,9% de lítio e 26,4% de grafita, além de contar com jazidas expressivas de vanádio, manganês e bauxita.
Minas Gerais concentra a maior parte dessas riquezas e tem atraído investimentos robustos. Apenas no setor de lítio, o governo federal estima aportes da ordem de R$ 15 bilhões até 2030. O Vale do Jequitinhonha desponta como o novo polo de produção do mineral no país.
Exportações em alta e missão empresarial a caminho dos EUA
Em 2024, o Brasil exportou cerca de 400 milhões de toneladas de minérios, com faturamento aproximado de US$ 43,4 bilhões (R$ 250 bilhões). A balança mineral foi positiva, com 2 milhões de toneladas exportadas a mais do que o importado, o que gerou um saldo de US$ 6,3 bilhões (R$ 36,4 bilhões). Os principais destinos das exportações foram China (24%) e Alemanha (12%). Em contrapartida, o Brasil importou cerca de 400 mil toneladas de minerais estratégicos, ao custo de US$ 4,3 bilhões (R$ 25,3 bilhões).
Diante do interesse americano e das possíveis barreiras tarifárias, o Ibram está organizando uma missão empresarial aos Estados Unidos, prevista para setembro ou outubro. O objetivo é mobilizar importadores norte-americanos a pressionarem o governo Trump por uma negociação mais favorável ao Brasil.
Geopolítica mineral e o apetite de Washington
A postura do presidente dos EUA, Donald Trump, reforça o caráter geopolítico da questão. Desde que assumiu o novo mandato em janeiro, o republicano tem adotado uma linha agressiva no acesso a recursos minerais estratégicos. Chegou a sugerir a anexação da Groenlândia, território dinamarquês rico em minerais, e pressionou a Ucrânia a ceder direitos de exploração em plena guerra contra a Rússia.
Embora o tema não tenha sido abordado publicamente por Trump em relação ao Brasil, a investida diplomática de seu governo indica que a disputa por acesso a minerais estratégicos — essenciais para a transição energética e a indústria de alta tecnologia — deve se intensificar. Neste xadrez, o Brasil se encontra em posição privilegiada, mas também sob pressão.