Pesquisa da Universidade da Califórnia em Los Angeles aponta que doença pode se desenvolver por rotas diferentes, envolvendo fatores psiquiátricos, encefalopáticos, vasculares e cognitivos
Detectar o Alzheimer em sua fase inicial continua sendo um dos grandes desafios da medicina. Um estudo da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), publicado em julho na revista eBioMedicine, trouxe novas perspectivas ao mapear quatro trajetórias diferentes que podem conduzir à doença.
A pesquisa analisou mais de 25 mil registros médicos de 7 mil pacientes e concluiu que o Alzheimer não decorre de uma única causa, mas de progressões múltiplas e complexas que se acumulam ao longo dos anos. Entre as rotas identificadas estão transtornos de saúde mental, encefalopatias, doenças vasculares e o comprometimento cognitivo leve.
Avanços no diagnóstico precoce
Segundo os especialistas, compreender esses caminhos é fundamental para aprimorar o diagnóstico precoce e tornar os tratamentos mais eficazes, já que as terapias disponíveis apresentam melhores resultados quando aplicadas nas fases iniciais da demência.
O neurologista Mingzhou Fu, primeiro autor do estudo, afirmou que “trajetórias em múltiplas etapas podem indicar maiores fatores de risco para a doença de Alzheimer do que condições isoladas”. Para ele, esse entendimento pode mudar a forma como a medicina aborda tanto a detecção quanto a prevenção da enfermidade.
O levantamento também demonstrou que os fatores costumam seguir uma ordem sequencial, funcionando como um efeito dominó. Em cerca de 26% dos casos analisados, por exemplo, a hipertensão precedeu episódios depressivos e o comprometimento cognitivo. Contudo, diferentes populações mostraram vulnerabilidades variadas a cada rota de evolução.
Quatro rotas para a mesma doença
O neurologista Iron Dangoni Filho, coordenador do Núcleo de Excelência em Memória (NEMO) do Hospital Israelita Albert Einstein em Goiânia, ressalta que os quatro caminhos não são independentes, mas interligados.
“Um paciente pode apresentar depressão crônica, que faz parte do caminho psiquiátrico, e ao mesmo tempo sofrer de hipertensão, pertencente à via vascular. Se também houver histórico de traumas cranianos e sinais de esquecimento leve, o risco de evolução para demência de Alzheimer aumenta significativamente”, explica.
O caminho psiquiátrico
A via psiquiátrica envolve transtornos como depressão e ansiedade, que afetam neurotransmissores, aumentam o estresse cerebral e levam a inflamação, desequilíbrio hormonal e redução de mecanismos de proteção neuronal — fatores que aceleram a manifestação do Alzheimer.
O caminho encefalopático
Já a trajetória encefalopática está relacionada a condições que comprometem de forma difusa o cérebro, como intoxicações, infecções e traumas repetitivos. Esses quadros provocam sintomas como desatenção e dificuldades de memória que, quando persistem, ampliam a vulnerabilidade para a doença.
O caminho vascular
A rota vascular associa hipertensão, diabetes, colesterol alto e problemas cardíacos ao surgimento de demência. Essas condições prejudicam a circulação sanguínea no cérebro, gerando pequenas lesões que comprometem as conexões entre neurônios. O processo pode acelerar o Alzheimer ou originar demência vascular, que frequentemente se mistura ao quadro da doença.
O caminho cognitivo
O último percurso mapeado é o do comprometimento cognitivo leve, fase intermediária entre um cérebro saudável e o início da demência. Nesse estágio, o paciente apresenta esquecimentos acima do esperado para a idade, mas mantém autonomia funcional.
Estudos mostram, porém, que essa etapa pode ser reversível. O neurologista Dangoni Filho lembra o estudo brasileiro PALA, de 2012, que acompanhou pacientes com comprometimento cognitivo leve: 38% evoluíram para demência, outros 38% melhoraram e 24% permaneceram estáveis. O resultado reforça o impacto das intervenções precoces.
Prevenção e impacto clínico
Para especialistas, identificar esses padrões tem efeito direto na prática clínica ao permitir diagnósticos mais precisos e acompanhamentos individualizados.
“Quando sabemos da existência desses quatro caminhos, nossa atenção para prevenção aumenta, já que a maioria envolve fatores modificáveis. Se identificamos um paciente com hipertensão descontrolada, histórico de depressão e sinais de perda de memória, já podemos agir cedo para retardar a progressão da doença e preservar a qualidade de vida”, conclui Dangoni Filho.
( Com Estadão)