Pesquisa com participação do Instituto Butantan e 23 instituições padroniza classificação de linhagens; objetivo é aprimorar vigilância genômica e resposta a variantes com risco epidemiológico.
Uma iniciativa internacional liderada por 24 instituições de pesquisa, incluindo o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Brasil, além da Universidade Yale (EUA) e a Universidade Oxford (Reino Unido), estabeleceu um novo sistema de classificação para as linhagens do vírus da dengue (DENV). Esta nova nomenclatura já está em uso pelos participantes do estudo desde setembro de 2024.
O principal objetivo da padronização é facilitar a vigilância das constantes mutações do vírus e otimizar a comunicação entre laboratórios e autoridades sanitárias. Com isso, torna-se mais simples o acompanhamento de potenciais novas linhagens que representem um risco epidemiológico.
A pesquisa que deu origem ao sistema, intitulada “A new lineage nomenclature to aid genomic surveillance of dengue vírus” (Uma nova nomenclatura de linhagem para auxiliar na vigilância genômica do vírus da dengue, em tradução livre), foi publicada na conceituada revista científica PLOS Biology.
Consenso e expectativa de adesão da OMS
Segundo Alex Ranieri, bioinformata do Centro para Vigilância Viral e Avaliação Sorológica (CeVIVAS) e do Laboratório de Ciclo Celular (LCC) do Butantan, a adoção da nova classificação possui forte respaldo científico: “Por ter sido desenvolvido de forma consensual por várias instituições nacionais e internacionais, [a adoção da nova nomenclatura] não depende de aprovação formal da Organização Mundial da Saúde (OMS). Entretanto, espera-se que a OMS e redes regionais de vigilância passem a utilizá-lo como referência, como já ocorreu com outros vírus”, destacou.
Hierarquia detalhada facilita o rastreamento
O vírus da dengue já é conhecido por seus quatro sorotipos (DENV-1 a DENV-4) e 17 genótipos. A nova proposta acrescenta dois níveis de classificação à estrutura já existente: as linhagens maiores e as linhagens menores, permitindo um rastreamento mais preciso da diversidade viral.
Neste novo esquema, os genótipos são indicados por algarismos romanos. As linhagens maiores são representadas por letras e as linhagens menores, por números separados por pontos. Um exemplo disso é a denominação DENV-3III_C.2, que identifica o vírus da dengue sorotipo 3, genótipo III, linhagem maior C e linhagem menor 2.
Ranieri explica o benefício prático desse detalhamento na saúde pública: “Enquanto um genótipo pode abranger vírus de vários continentes, uma linhagem específica pode refletir circulação restrita a uma região ou país. O artigo no qual foi publicado o sistema mostra, por exemplo, que a linhagem DENV-2II_A foi identificada apenas no hemisfério oriental. Assim, se essa linhagem surgisse em outro continente, isso indicaria nova rota de introdução, permitindo resposta rápida das autoridades sanitárias”.
Impacto indireto na vacinação
O pesquisador também aponta que a nova nomenclatura pode influenciar de forma indireta o desenvolvimento e a eficácia das vacinas contra a doença. Ao identificar mutações específicas que definem cada linhagem, o sistema permite monitorar alterações que podem afetar a resposta imune.
“Com o monitoramento contínuo das linhagens, é possível detectar precocemente variantes com potencial de escape imunológico e avaliar se há impacto na eficácia vacinal. Isso oferece uma base científica para ajustar futuras formulações de vacinas de forma mais precisa”, afirmou Ranieri.
Ameaça global persiste
A doença, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, continua a ser uma ameaça significativa, colocando em risco mais de 100 milhões de pessoas por ano, especialmente em regiões tropicais como o Brasil, de acordo com a OMS. Em 2024, os países com circulação dos quatro sorotipos notificaram mais de 13 milhões de casos da doença. O Brasil registrou o maior volume, com 10,2 milhões de casos, seguido pela Argentina (581,5 mil), México (558,8 mil), Colômbia (321 mil) e Paraguai (295,7 mil), conforme dados da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).