Expansão de grupos criminosos dificulta fiscalizações, paralisa serviços essenciais e pressiona ação do governo federal
Avanço das facções sobre serviços públicos
A presença consolidada do crime organizado em comunidades do Rio de Janeiro, antes associada sobretudo a enfrentamentos policiais, passou a afetar de forma direta o trabalho rotineiro de funcionários públicos. Relatórios de inteligência revelam que esse fenômeno se espalhou para estados como Pernambuco, São Paulo e Mato Grosso, restringindo fiscalizações, inviabilizando investigações e impedindo o encerramento de atividades clandestinas.
Atividades interrompidas por risco de confronto
Segundo documentos obtidos pela Polícia Federal, auditorias sobre condições precárias de trabalho deixaram de ocorrer, assim como ações destinadas a bloquear serviços irregulares de telefonia e internet. Em um caso emblemático, uma rádio clandestina que interferia nas comunicações do Aeroporto do Galeão deixou de ser inspecionada porque os transmissores estavam em área controlada pelo Comando Vermelho.
A PF orientou equipes a evitar regiões dominadas por facções, citando a possibilidade de ataques. Em julho de 2025, agentes relataram obstáculos para entrar em Rocha Miranda, na Zona Norte, pela presença de barricadas e risco elevado de confronto.
Planejamento de fuga e ações abortadas
Em outra operação, planejada para Pilares, a PF chegou a desenhar rotas de fuga para proteger auditores do trabalho de eventuais emboscadas envolvendo milicianos e integrantes do Comando Vermelho.
A menos de dez quilômetros dali, na Mangueira, relatórios recentes indicaram “probabilidade muito alta” de presença de homens armados, levando ao cancelamento de fiscalizações. A Secretaria de Segurança afirmou que a Polícia Militar garante apoio sempre que acionada.
Tentativas de negociação e saídas paliativas
Para especialistas, o Estado precisa encontrar meios de retomar o acesso a essas áreas. O ex-secretário Nacional de Segurança Pública João Vicente da Silva Filho defende negociações com lideranças comunitárias como alternativa temporária, até que seja elaborado um plano mais amplo de retomada territorial.
Expansão do problema para outros estados
O impacto das facções não se limita ao Rio. A Anatel relatou um histórico de ameaças às equipes de fiscalização em Pernambuco, que precisaram deixar investigações inconclusas por falta de segurança. Em São Paulo, técnicos federais também relataram dificuldades em regiões dominadas pelo PCC, que impôs toques de recolher e inviabilizou operações de rotina.
Em ofício, a Secretaria de Segurança paulista afirmou que atua em todas as regiões do estado e mantém cooperação com autoridades federais.
Concessionárias também enfrentam restrições
Empresas de serviços públicos relatam obstáculos semelhantes. A Light, responsável pelo fornecimento de energia no Rio, informou que técnicos não conseguem entrar em áreas dominadas para investigar furtos ou irregularidades. Embora a empresa afirme conseguir manter a rede, admite que não é possível realizar cortes por inadimplência ou regularizações em certos locais.
Em outro caso, uma denúncia sobre rádio clandestina em Cuiabá só foi resolvida após ordem judicial e apoio policial, apesar das ameaças às equipes.
Operações suspensas e denúncias arquivadas
Diversas diligências foram arquivadas por impossibilidade de acesso seguro. Em setembro passado, uma auditoria do trabalho recomendou suspender uma fiscalização em comunidade controlada pelo Terceiro Comando Puro.
No Galeão, outra operação contra interferência de rádio clandestina foi cancelada porque os técnicos não puderam acessar os equipamentos. Uma segunda equipe tentou usar drone para localizar a fonte do sinal, sem sucesso.
Governo federal tenta reagir
O avanço territorial das facções recolocou a segurança pública no centro das discussões em Brasília. Após a operação no Rio ter afetado a popularidade do presidente Lula, o governo enviou ao Congresso o projeto Antifacção, que deve ser votado na Câmara nos próximos dias.
Documentos de inteligência indicam que o Comando Vermelho atua em 70 dos 92 municípios fluminenses e está presente em 20 estados, disputando rotas estratégicas do tráfico com o PCC.
Diante desse cenário, servidores federais que atuam no Rio têm solicitado apoio da Superintendência da PF, responsável por mapear riscos e orientar o trabalho de equipes encarregadas de garantir serviços básicos à população.



