Os supersalários, que ultrapassam o teto constitucional, representam um impacto de R$ 5 bilhões para União, estados e municípios. Especialistas temem que alterações no texto original pelo Congresso permitam novas brechas para benefícios extras
Os supersalários do funcionalismo público, frequentemente criticados por extrapolarem o teto constitucional, continuam a pesar nas finanças da União, estados e municípios. Estimativas indicam que a eliminação de pagamentos indevidos poderia economizar pelo menos R$ 5 bilhões anuais, aliviando os cofres públicos das três esferas de governo.
Contudo, a proposta inicialmente concebida pelo Executivo para enfrentar o problema foi modificada no Congresso, resultando em um texto que, segundo especialistas, pode não só preservar os pagamentos excessivos, mas até legitimar novos gastos.
Brechas no teto salarial
O economista Daniel Duque, do Centro de Liderança Pública (CLP), destacou que as alterações feitas na proposta original criaram espaço para que benefícios extras, conhecidos como “penduricalhos”, permaneçam e até aumentem:
— A proposta inicial já era tímida, permitindo algumas despesas indenizatórias, o que limitava o impacto fiscal. Porém, com as mudanças feitas pelo Congresso, ela se tornou uma legitimação legal de práticas que já existem — afirmou Duque.
Atualmente, o teto constitucional, que equivale ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), está fixado em R$ 44 mil e subirá para R$ 46,3 mil em fevereiro. Na prática, servidores públicos não deveriam receber valores acima desse limite. No entanto, verbas indenizatórias, que não se sujeitam ao teto, têm sido amplamente usadas para inflar vencimentos.
Fragilidade legislativa
A proposta inicial previa que a regulamentação dos pagamentos extras seria definida por lei complementar, o que exigiria um quórum mais rígido para aprovação. Contudo, o texto final aprovado determina que mudanças ocorram por meio de lei ordinária, cuja tramitação é mais simples e suscetível a flexibilizações.
A advogada Vera Monteiro, da Fundação Getulio Vargas, apontou dois problemas centrais na versão aprovada:
— Primeiro, a lei complementar oferecia uma barreira maior contra alterações futuras, o que foi descartado. Segundo, a legitimação de resoluções corporativas mantém os benefícios existentes até que uma nova legislação seja promulgada.
Essa situação é agravada pela autonomia administrativa e orçamentária de órgãos como o Judiciário, permitindo que conselhos como o CNJ e o CNMP determinem, de forma independente, quais pagamentos estão isentos do teto.
Impactos bilionários
Um levantamento da ONG Transparência Brasil revelou que, em 2023, os estados gastaram R$ 4,47 bilhões em vencimentos acima do teto constitucional. A estimativa para 2025 é de R$ 5,01 bilhões, incluindo todas as esferas administrativas.
Para contornar as restrições legais, tribunais adotam estratégias criativas, desvirtuando a natureza de gratificações. Cristiano Pavini, gerente de projetos da Transparência Brasil, criticou essa prática:
— Benefícios de natureza claramente remuneratória são disfarçados como indenizatórios para escapar do teto constitucional.
Nos últimos seis anos, mais de 3.500 nomenclaturas diferentes foram usadas pelos órgãos do Judiciário e do Ministério Público para justificar pagamentos. Em 2024, por exemplo, “pagamentos retroativos” classificados como indenizatórios somaram R$ 2,1 bilhões e ficaram isentos de Imposto de Renda.
Futuro incerto
Especialistas alertam que, sem uma regulamentação mais rigorosa, os supersalários continuarão a pressionar as contas públicas. Enquanto isso, a reforma necessária para limitar os privilégios enfrenta resistências no Congresso, que permanece dividido entre atender às demandas populares e proteger interesses corporativos.
(Com O GLOBO)