Pesquisas indicam que mais de um terço dos alunos de ensino superior têm dívidas; dificuldades financeiras levam ao adiamento da graduação e impactam saúde mental
Dívidas atingem mais de 35% dos universitários
Um levantamento da Serasa, em parceria com a plataforma de pesquisa de mercado MindMiners, mostra que 35% dos estudantes universitários no Brasil estão inadimplentes com instituições de ensino. As principais razões apontadas são o desemprego (22%), problemas familiares ou pessoais (13%) e redução de renda (9%).
Os dados revelam ainda que 34% dos endividados acumulam débitos superiores a cinco mensalidades e 32% carregam pendências há mais de dois anos. Além das mensalidades, 62,3% dos alunos também enfrentam outros compromissos financeiros: 55% devem no cartão de crédito, 36% em contas básicas e 32% em empréstimos pessoais.
Apostas on-line atrasam planos de graduação
Outro estudo, da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), aponta que 34% dos jovens entre 18 e 35 anos — cerca de 986 mil pessoas — adiaram o início da faculdade em 2025 devido a gastos com apostas on-line, como o chamado “jogo do tigrinho”.
O problema se agrava entre famílias das classes D e E, cuja renda média gira em torno de R$ 1 mil por pessoa. Nessa faixa, 41% dos jovens postergaram o ingresso no ensino superior. Regionalmente, o Nordeste lidera com 44% dos casos, seguido pelo Sudeste, com 41%.
Impacto emocional do endividamento
As dificuldades financeiras não se restringem ao orçamento. De acordo com a pesquisa Serasa/MindMiners, 48% dos estudantes inadimplentes sofrem de ansiedade intensa, insônia ou estresse, e 45% adiaram projetos de vida por conta das dívidas. Apenas 6% afirmaram não sentir impactos psicológicos.
Para a psicóloga Kenia Ramos, do grupo Mantevida, a instabilidade financeira compromete diretamente o desempenho acadêmico. “A insegurança gera estresse crônico, reduz a concentração e, muitas vezes, leva à evasão. Alguns alunos acabam trancando o curso, o que é visto como fracasso, mas pode ser uma decisão estratégica para preservar a saúde mental”, explica.
Histórias de quem luta para pagar a faculdade
A servidora pública Lorrana Pádua, 31, se formou em engenharia civil em 2017, mas convive até hoje com o peso do financiamento estudantil. Após dificuldades para conseguir emprego, atrasou parcelas e precisou renegociar a dívida, que agora deve ser paga em até 15 anos.
Já a assistente administrativa Larissa Rezende, 30, precisou trancar o curso de publicidade em 2015. O valor da mensalidade superava seu salário, e as parcelas atrasadas resultaram em uma dívida de cerca de R$ 6 mil. “Não conseguir terminar a graduação trouxe frustração e ansiedade. Se tivesse condições, voltaria a estudar”, relata.
Especialistas recomendam preparo financeiro
Para o consultor financeiro Matheus Oka, o endividamento estudantil reflete a falta de educação financeira entre os jovens. “Muitos têm acesso a crédito, mas não sabem administrar. Há consumo impulsivo, reforçado pelas redes sociais, e pressão para conquistar independência precoce”, afirma.
Ele sugere que estudantes aprendam a poupar e investir, buscando aplicações de baixo risco para equilibrar os custos da graduação. “É importante também avaliar como o curso poderá gerar retorno financeiro no futuro.”
Universidades buscam alternativas para reduzir evasão
Segundo o presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Juliano Griebeler, tanto instituições públicas quanto privadas enfrentam desafios para manter os alunos matriculados.
“Faculdades têm criado bolsas próprias, flexibilizado dívidas e oferecido descontos. Além disso, programas como ProUni e Fies ajudam a reduzir a evasão. Hoje, 90% dos estudantes das instituições particulares pertencem às classes C, D e E, e o custo ainda é uma barreira significativa”, ressalta.
Griebeler aponta que uma tendência é oferecer microcertificações durante o curso, permitindo que o aluno comprove etapas concluídas e aumente as chances no mercado de trabalho antes da formatura.
Caminhos para renegociar dívidas
Apesar do cenário desafiador, 64% dos entrevistados acreditam que conseguirão negociar suas pendências nos próximos dois anos, segundo a Serasa. Para nove em cada dez, quitar a mensalidade universitária é prioridade.
O especialista em educação financeira da Serasa, Thiago Ramos, destaca que os jovens de 18 a 25 anos são os que mais buscam acordos, com aumento de 49% nas negociações em 2025. “Isso mostra um amadurecimento da geração, que cresceu em meio a instabilidade e aprendeu a correr atrás de estabilidade”, avalia.
Ele recomenda que os estudantes inadimplentes listem todas as dívidas, priorizem gastos essenciais e negociem prazos viáveis antes de aceitar refinanciamentos.
( Letícia Mouhamad e Carlos Silva / Correio Braziliense )