Samuel Peçanha reconheceu o corpo do filho de 14 anos pela internet e reflete sobre como o tráfico e a ostentação digital têm atraído jovens das periferias
“Eu vi e soube que era o meu filho”
Quando viu nas redes sociais a foto de um corpo abandonado na Mata da Misericórdia, na zona norte do Rio de Janeiro, Samuel Peçanha não teve dúvidas: reconheceu imediatamente o filho, Michel, de 14 anos.
“Na hora, senti um aperto no peito. Eu disse: perdi meu filho. Quando vi a foto, reconheci o meu menino no chão. Era ele”, contou.
Michel, o mais novo dos cinco filhos, foi uma das 121 vítimas da operação policial mais letal da história do Brasil, realizada em 28 de outubro no Complexo da Penha.
Samuel, trabalhador de serviços gerais, vive a dor de um luto que mistura amor e impotência. Ele lembra do garoto “tranquilo, que adorava dançar e brincar”, e diz ainda não acreditar no destino trágico do filho. “Era o filho da minha velhice, aquele por quem a gente trabalha dia e noite”, desabafa.
A descoberta do envolvimento com o crime
O pai conta que, quando o filho passou a morar com ele, percebeu mudanças no comportamento. Michel havia deixado de frequentar a escola e publicava fotos nas redes sociais com armas e motos.
“Fiquei assustado. Perguntei por que ele estava tirando foto com arma. Ele dizia que era só no baile, que conhecia muita gente”, relata.
Com o tempo, Michel admitiu o envolvimento com o Comando Vermelho. Segundo Samuel, o adolescente dizia que estava ali “por vontade própria” e prometia um dia “dar orgulho ao pai”.
“Eu dizia que aquele não era o orgulho que eu queria. Ele era um menino bom, mas se iludiu”, lamenta.
O peso de tentar salvar um filho
Desde que soube da ligação do filho com o crime, Samuel tentou de todas as formas convencê-lo a mudar de caminho. “Estava trabalhando na mente dele, tentando trazer pra perto, como um pai que ama”, afirma.
Mas a rotina de trabalho impedia uma vigilância constante. “Eu saía pra trabalhar e achava que ele estava em casa. Ele saía escondido. Eu fazia tudo por ele, mas a mente dele já estava tomada”, diz.
A tentativa de resgatar o filho custou caro à saúde do pai. “Comecei a faltar ao trabalho, fiquei doente. Tentava entender, buscava ajuda, mas não conseguia compreender o que passava na cabeça dele.”
A influência das redes e a cultura da ostentação
Samuel acredita que o filho foi seduzido pelo glamour da vida criminosa exposta nas redes sociais. “Esses meninos veem garotos armados, com fama, vivendo como se fosse fácil. Isso mexe com a cabeça deles”, analisa.
Para ele, as plataformas digitais têm papel central nesse ciclo de ilusão. “Eles acham que vão chegar lá e ter poder. Querem subir no conceito, mas não percebem o preço.”
O pai tentava mostrar outro caminho. “Eu dizia: se o problema é uma moto, quando você crescer eu te dou uma. Estudo e trabalho trazem liberdade. Tudo que vem fácil, vai fácil.”
O último contato e o luto
Michel saiu de casa no fim de semana anterior à operação. Samuel soube que o filho foi visto com uma mochila nas costas. No domingo, recebeu uma ligação curta: “Pai, estou bem. Quarta estou em casa.”
Essa foi a última conversa entre os dois.
Na terça-feira, Samuel soube pela TV da operação no Complexo da Penha. Tentou ligar para o filho, sem sucesso. No dia seguinte, reconheceu Michel pela foto divulgada nas redes.
“Ver o corpo do meu filho com um tiro na cabeça… ninguém imagina o que é isso”, afirma.
O enterro foi rápido. “Não tinha como suportar mais dor.”
Um alerta às famílias e aos jovens
Samuel evita apontar culpados. “Não quero críticas ao Estado nem ao tráfico. Quero que as pessoas pensem nas famílias que perderam e que os jovens repensem a vida.”
O pai transforma a dor em alerta. “Filho é herança. Pais precisam olhar o comportamento dos filhos e conversar. Tudo que é conquistado com esforço traz liberdade.”
Ele conclui com uma mensagem aos jovens: “O melhor amigo de um filho é o pai e a mãe. Nenhum amor substitui o deles. Escutem seus pais — porque nenhuma mãe quer enterrar um filho.”
( Com BBC News Brasil )


