“Será bispo e papa”, previu educadora décadas atrás sobre o hoje cardeal arcebispo do Rio de Janeiro.
Caçula entre nove irmãos, nascido em São José do Rio Pardo (SP), dom Orani Tempesta quase não seguiu a vida religiosa. Durante a juventude, hesitou em entrar para o seminário, temendo deixar de apoiar sua família, marcada pela simplicidade e por condições modestas. No entanto, uma figura determinante cruzou seu caminho: Maria de Lourdes Benedita Nogueira Fontão, conhecida como Lourdinha, professora e religiosa local, que o incentivou a seguir sua vocação.
Ainda no início da trajetória de Orani, antes mesmo de sua ordenação sacerdotal, Lourdinha teria feito uma previsão marcante: o jovem seria, um dia, bispo e papa. Atualmente, dom Orani é cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, com direito a voto no conclave que escolherá o próximo papa — e, como de praxe, também é elegível para ser eleito pontífice.
Segundo relatos ouvidos pela Agência Brasil, embora sempre mantenha proximidade com suas raízes, dom Orani jamais demonstrou cogitar a possibilidade de ser escolhido para liderar a Igreja Católica. Ainda assim, preserva laços estreitos com a família de Lourdinha, que teve cinco filhos.
“Orani falou que queria estudar para padre, mas que não ia por causa dos pais idosos. Minha mãe falou: ‘vá e eu cuido deles. Eu prometo ir lá todo dia levar a comunhão para eles’”, relembra Maria de Lourdes Fontão, filha da educadora e professora de 66 anos.
Relação com a comunidade e a família Fontão
Paulo Celso Fontão, médico na zona leste de São Paulo e autor do livro Um coração para amar, que narra a história de Lourdinha, reforça que o vínculo de dom Orani com sua comunidade de origem nunca se rompeu. “Ele nunca deixou de manter contato com a nossa família”, afirma o médico, que destaca o legado solidário de sua mãe, cuja causa de beatificação foi aberta pelo Vaticano.
Lourdinha faleceu em um acidente de carro em julho de 1988, aos 57 anos. Seu marido, o dentista Héber, sobreviveu à colisão ocorrida na estrada de Mariápolis, no interior paulista.
A trajetória de dom Orani seguiu o caminho previsto pela educadora. Desde sua ordenação como sacerdote em 1974, passando pela nomeação como bispo em 1997, arcebispo de Belém em 2004, arcebispo do Rio de Janeiro em 2009 e, por fim, cardeal em 2014, cada passo foi acompanhado de perto por aqueles que conheciam a profecia.
Em diversos momentos, a relação próxima entre dom Orani e a família de Lourdinha contribuiu para alimentar a história. O cardeal celebrou o casamento de Maria de Lourdes Fontão e batizou seus três filhos. “A gente sempre se fala por mensagens, dividimos experiências e lembramos das lutas”, conta ela, ressaltando a amizade contínua.
Quando dom Orani foi nomeado cardeal, os filhos de Lourdinha viajaram até Roma para prestigiar a cerimônia. “No evento, não havia apenas católicos, porque ele sempre buscou unir diferentes religiões”, destaca a professora.
Influência de Lourdinha na vida dos Fontão
Paulo Fontão acredita que a influência materna moldou sua atuação como médico, sobretudo no atendimento a pessoas em situação de vulnerabilidade. Inspirado pelo pensamento do papa Francisco, ele integrou os conceitos de saúde e espiritualidade em seu mestrado e doutorado, dedicando-se a estudar essa conexão.
“Quando comecei o mestrado e a estudar os textos do papa Francisco, percebi que ele fala sobre as periferias existenciais e geográficas. A gente deve se deixar tocar por essas realidades”, afirma.
Legado religioso em São José do Rio Pardo
O impacto de Lourdinha e dom Orani também ecoa no mosteiro de São José do Rio Pardo, onde o cardeal iniciou sua trajetória religiosa. O atual abade, dom Paulo Demartini, de 60 anos, destaca a importância desses dois personagens para a cidade.
“Ela era uma mulher muito piedosa e hoje está em processo de beatificação. Devo a ela minha vocação. Foi ela quem levou dom Orani para celebrar missas no sítio da minha família”, lembra Demartini. Aos 10 anos, o abade conheceu Lourdinha, que comprava doces feitos por sua mãe para doar aos mais pobres, gesto que ilustra a generosidade da educadora.
Com mais de duas décadas de convivência no mosteiro, Demartini ressalta a influência de dom Orani em sua vida espiritual. “Ele tem o dom da escuta e da humildade”, afirma o abade, destacando que mantinha contato diário com o cardeal até o início do conclave, período em que os cardeais ficam isolados das comunicações externas até a escolha do novo papa.
