Conflito veio a público após discurso no Ceará e revela embate interno sobre comando político da família durante a prisão do ex-presidente
O embate público entre os filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro ganhou força nos últimos dias e escancarou uma disputa silenciosa por espaço e influência política dentro da família. O episódio ocorre enquanto Bolsonaro cumpre pena na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, e tem como pano de fundo a definição de estratégias eleitorais do PL para as eleições de 2026.
A crise se agravou no domingo, após Michelle participar do lançamento da pré-candidatura do senador Eduardo Girão (Novo-CE) ao governo do Ceará. Em discurso, ela criticou a aproximação do PL local com o ex-ministro Ciro Gomes, articulação conduzida pelo deputado André Fernandes (PL). A fala foi interpretada pelos filhos de Bolsonaro como uma afronta direta a decisões previamente autorizadas pelo patriarca.
Piada interna e clima de desconfiança
Apesar da repercussão pública no Ceará, o desgaste começou alguns dias antes, durante uma reunião interna do PL para discutir os rumos do partido após a prisão de Bolsonaro. No encontro, Michelle fez comentários de bastidor ao relatar que havia preparado milho cozido para o marido e revelou um apelido íntimo, chamando-o de “meu galo”, em referência ao gosto do ex-presidente pelo alimento.
Na sequência, a ex-primeira-dama fez uma brincadeira ao afirmar que Bolsonaro seguia firme e que agora seria o momento de provar ser “imbrochável” — termo associado às medalhas com os chamados “três is”, entregues a aliados considerados “imbrocháveis, imorríveis e incomíveis”.
A fala não caiu bem entre os filhos do ex-presidente. Avaliaram que o comentário poderia expor Bolsonaro de forma negativa caso fosse gravado ou vazado.
Flávio se impõe como porta-voz
Diante do desconforto, o senador Flávio Bolsonaro pediu a palavra e alertou sobre a necessidade de cautela nas declarações, destacando o risco de interpretações indevidas. Segundo participantes da reunião, o parlamentar afirmou que, a partir daquele momento, todas as decisões políticas do grupo deveriam partir exclusivamente do ex-presidente, reforçando sua autoridade absoluta.
O gesto foi interpretado como uma tentativa de conter qualquer avanço de Michelle nas decisões estratégicas do partido, especialmente na disputa sobre quem representará a família Bolsonaro na corrida ao Senado por Santa Catarina. No estado, Jair Bolsonaro indicou Carlos Bolsonaro como seu nome de confiança, enquanto Michelle demonstra preferência pela deputada Caroline de Toni (PL).
Sem consultar a madrasta, Flávio ainda se apresentou publicamente como porta-voz do pai em entrevista coletiva realizada logo após a reunião.
Divergências no Ceará
Após o episódio, Michelle tentou dialogar com o enteado na sede do PL, mas ouviu novamente que qualquer decisão deveria passar diretamente por Bolsonaro. Segundo aliados da ex-primeira-dama, sua presença no evento de Eduardo Girão teria ocorrido a pedido do próprio ex-presidente, interessado em marcar o início da pré-campanha no Ceará.
Ainda de acordo com pessoas próximas, o discurso refletiu uma discordância antiga de Michelle em relação a Ciro Gomes, sem a intenção de contrariar o ex-presidente. A avaliação, porém, não foi compartilhada pelos filhos de Bolsonaro, que entenderam a fala como uma interferência direta em uma articulação já validada por ele.
No palco, Michelle afirmou que não fazia sentido uma aliança com alguém que, segundo ela, atacou reiteradamente o ex-presidente e sua família.
Reação pública e alinhamento dos filhos
A primeira reação pública partiu de Flávio Bolsonaro, que afirmou que Michelle desrespeitou uma orientação clara de Bolsonaro e classificou sua postura como “autoritária”. Para o senador, a fala constrangeu lideranças locais e enfraqueceu a estratégia do partido no estado.
Eduardo Bolsonaro reforçou o posicionamento do irmão em publicação nas redes sociais, afirmando que a negociação havia sido conduzida com aval do pai e que a crítica feita no evento foi injusta. Carlos Bolsonaro também se manifestou, defendendo unidade e respeito à liderança do ex-presidente.
O episódio evidencia que, mesmo ausente da cena política cotidiana, Jair Bolsonaro continua sendo o centro das decisões do grupo. Ao mesmo tempo, deixa à mostra um conflito interno crescente sobre quem pode falar em seu nome e qual será o peso político de Michelle dentro do projeto eleitoral da família nos próximos anos.



