Pesquisas revelam desumanização crescente e ceticismo em relação a soluções diplomáticas no Oriente Médio
Clima de alienação e descrença
Pesquisas recentes apontam um quadro preocupante: tanto israelenses quanto palestinos perderam a confiança no outro lado do conflito. A percepção de que a paz é inalcançável se fortalece, alimentada por sentimentos de desumanização e falta de empatia.
Um levantamento da Universidade Hebraica de Jerusalém, divulgado em agosto, mostrou que 62% dos israelenses concordam com a afirmação de que “não há inocentes em Gaza”. Entre os entrevistados judeus israelenses, esse índice chega a 76%.
Corey Gil-Shuster, diretor do programa de mestrado em resolução de conflitos da Universidade de Tel Aviv, afirma estar alarmado com a ausência de empatia. “Minha maior preocupação é a falta de humanidade. Muitos não demonstram compaixão sequer por crianças, idosos ou doentes”, disse.
Pesquisas expõem desumanização
Khalil Shikaki, cientista político e diretor do Centro Palestino de Pesquisa de Opinião Política e Pública (PCPSR), em Ramallah, avalia que a relação entre as duas sociedades atravessa um dos pontos mais críticos da história. “Nos últimos dois anos houve uma desumanização quase completa. Ambos os lados já não reconhecem a humanidade do outro”, afirmou.
Segundo Shikaki, esse cenário também limita a disposição para concessões. Pesquisa do PCPSR realizada em maio de 2025 mostrou forte ceticismo entre palestinos: 69% dos entrevistados em Gaza e 88% na Cisjordânia não acreditam que Israel deixaria o território caso o Hamas entregasse suas armas.
Ainda assim, Shikaki argumenta que a confiança não precisa ser pré-condição para negociações de paz. “Se esperarmos que palestinos e israelenses confiem uns nos outros, isso nunca acontecerá”, destacou.
Experiências externas e possíveis caminhos
Especialistas apontam que lições de outros conflitos podem inspirar avanços. O norte-irlandês Gary Mason, fundador da organização Rethinking Conflict, lembra que a resolução de disputas na Irlanda do Norte também envolveu questões de identidade, religião e território.
Para ele, mesmo que um cessar-fogo seja alcançado nos próximos meses, a construção da paz levaria anos. “Na Irlanda do Norte, ainda trabalhamos pelo processo de paz quase três décadas após o Acordo da Sexta-Feira Santa”, afirmou.
Gil-Shuster, por sua vez, acredita que uma comunicação política assertiva poderia abrir caminhos. “É preciso mostrar às pessoas que não queremos mais viver assim. A mudança pode começar com uma campanha de conscientização, quase como um marketing da paz”, sugeriu.
O plano de Trump e a busca por mediação
No fim de setembro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, apresentou um plano de 20 pontos ao lado do premiê israelense Benjamin Netanyahu. A proposta prevê como medidas imediatas o cessar-fogo e a libertação dos reféns israelenses em Gaza.
Um comitê internacional, liderado por Trump e com a participação do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, ficaria responsável por supervisionar os próximos passos.
O desafio, no entanto, está na baixa confiança em lideranças locais. Pesquisas mostram que apenas uma minoria dos israelenses aprova Netanyahu. Do lado palestino, 81% defendem a renúncia de Mahmoud Abbas, no poder desde 2005 e sem promover eleições desde 2006.
“É preciso uma liderança forte para propor algo novo, talvez até reconhecer o outro lado. Mas hoje não vejo figuras com esse perfil”, disse Gil-Shuster.
A viabilidade da solução de dois Estados
A ideia de um Estado palestino independente voltou ao debate internacional após países como França, Reino Unido e Austrália reconhecerem oficialmente a Palestina. O plano de Trump inclui a criação de um “caminho crível para a autodeterminação palestina”, condicionado a reformas na administração local.
Ainda assim, Israel mantém resistência à proposta e tem ampliado assentamentos na Cisjordânia. Pesquisas da Universidade de Tel Aviv mostram queda no apoio interno à solução de dois Estados: entre abril e maio de 2025, apenas 21% dos judeus israelenses disseram apoiar a medida.
Do lado palestino, dois terços da população consideram improvável que a proposta se concretize, embora ainda haja quem a veja como única alternativa.
Obstáculos territoriais e comparações com a Irlanda do Norte
Críticos apontam que a fragmentação territorial da Cisjordânia já inviabiliza, na prática, a criação de um Estado palestino contínuo.
Mesmo assim, Mason lembra que processos de reconciliação podem avançar mesmo em cenários de divisão. Em Belfast, bairros católicos e protestantes ainda são separados por muros, mas isso não impediu o avanço do diálogo. “Conflitos não desaparecem em uma geração. Mas, com tempo e liderança, a convivência pode melhorar”, concluiu.
( Com DW )