Governo brasileiro avalia alternativas diplomáticas em meio à escalada tarifária imposta por Washington
Enquanto busca reabrir canais de diálogo com os Estados Unidos, o governo brasileiro analisa estratégias para reverter os impactos do novo pacote tarifário anunciado por Donald Trump. Em meio ao impasse, integrantes do Planalto veem na aproximação com os Brics — bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — uma oportunidade para reforçar parcerias estratégicas fora do eixo tradicional liderado pelos EUA.
No entanto, a iniciativa não agrada à Casa Branca. Para Trump, o fortalecimento dos Brics, sobretudo a proposta de criação de uma moeda comum, é percebido como um esforço direto para enfraquecer o dólar — o que pode agravar ainda mais as tensões bilaterais entre Washington e Brasília.
Amorim defende aliança sem viés ideológico
A reação do ex-presidente norte-americano ocorre após o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, declarar que as ações adotadas por Trump impulsionam a cooperação entre os países do bloco. Em entrevista ao Financial Times, Amorim destacou que os Brics não têm orientação ideológica e que atuam em defesa da ordem multilateral.
Apesar da tentativa brasileira de manter uma postura equilibrada, o histórico recente mostra que Trump já vinha sinalizando desconforto com o avanço do bloco. No início de julho, ele anunciou uma tarifa adicional de 10% sobre países que, segundo ele, se alinhem a “políticas antiamericanas dos Brics”.
As declarações se somam a episódios anteriores, como a proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feita ainda em 2023, para criação de uma moeda comercial entre os membros do grupo, com o objetivo de reduzir a dependência do dólar em transações internacionais.
Especialistas apontam risco de crise no sistema internacional
Para analistas, a ofensiva norte-americana reflete uma crise mais ampla nas instituições multilaterais. De acordo com Natali Hoff, especialista em relações internacionais, a criação de uma moeda pelos Brics representa um desafio direto à hegemonia dos Estados Unidos.
“A própria fala do Trump evidencia isso. De que os Estados Unidos não vão acatar, de maneira passiva, esse tipo de iniciativa, já que é uma iniciativa que se contrapõe de maneira direta à hegemonia americana”, afirmou.
Natali destaca que os países do bloco enxergam na proposta uma chance de ampliar a autonomia frente à atual ordem econômica internacional, cada vez mais marcada por disputas geopolíticas.
Desconfiança nas instituições multilaterais se aprofunda
A tensão crescente também escancara o enfraquecimento de instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização das Nações Unidas (ONU). O bloqueio dos Estados Unidos à nomeação de membros do Órgão de Apelação da OMC, por exemplo, compromete a capacidade da entidade de impor sanções eficazes.
Diante desse cenário, o Brasil apresentou queixas formais à OMC contra o uso de tarifas como instrumento de retaliação, sem mencionar diretamente os EUA. Segundo o especialista Guilherme Frizzera, esse movimento ilustra a busca de países emergentes por alternativas fora da “órbita de influência” norte-americana.
“Diferentemente do período pós-Segunda Guerra Mundial, em que os EUA lideraram a construção de uma ordem internacional liberal, o cenário atual aponta para o surgimento de uma nova ordem não por iniciativa americana, mas como reação à sua retração e à sua postura confrontacional”, explicou.
Lula rebate críticas e defende protagonismo do Sul Global
Em resposta às recentes medidas de Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ironizou o comportamento do republicano. Segundo ele, o ex-mandatário demonstra incômodo com o crescente protagonismo do Brasil e das nações do Sul Global em fóruns multilaterais, como o G7 e o G20.
“Possivelmente, o Trump tenha ficado preocupado com a reunião dos Brics”, afirmou Lula, ao comentar o aumento das tarifas norte-americanas sobre produtos brasileiros. A declaração foi dada em entrevista exclusiva à jornalista Christina Lemos, do Jornal da Record, no último dia 10.
O presidente reiterou a defesa de uma política externa pautada no multilateralismo, no respeito à soberania e na promoção do diálogo entre as nações — princípios que, segundo ele, contrastam com a conduta de Donald Trump.