Setor enfrenta combinação de custos dolarizados, alta carga tributária e ausência de políticas públicas de apoio; Azul é a terceira grande companhia em crise nos últimos anos
A Azul Linhas Aéreas deu início, na última quarta-feira (28), a um processo de recuperação judicial nos Estados Unidos, por meio do chamado Chapter 11. A medida permite a reestruturação de dívidas com credores internacionais sem que a empresa precise suspender suas atividades. A decisão posiciona a Azul ao lado da Gol, que entrou com o mesmo pedido em janeiro de 2024, e da Latam, que recorreu ao recurso durante a pandemia, em 2020.
Com as três principais companhias do setor enfrentando reestruturações financeiras, volta à tona a pergunta: como essas empresas operam no prejuízo, mesmo com tarifas consideradas elevadas pelos consumidores?
Estrutura financeira fragilizada
A resposta, segundo especialistas, está em um conjunto de fatores que vão desde o modelo de negócios com margens muito estreitas até a alta exposição cambial. “A aviação é um negócio de margens muito pequenas. Em tempos normais, sem crise, se fala em 5% de lucro. É normal que companhias aéreas tenham dívidas grandes, isso acontece no mundo todo”, afirma Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, em entrevista ao portal Terra.
No caso brasileiro, no entanto, o cenário é agravado por questões estruturais e pela ausência de uma política pública sólida de suporte ao setor. Embora as passagens sejam caras para o consumidor final, elas não cobrem os custos operacionais, afirma o especialista.
Receita em reais, custos em dólar
Boa parte das despesas das companhias aéreas no Brasil está atrelada à moeda norte-americana. Desde o leasing das aeronaves até a manutenção e o combustível — o querosene de aviação (QAV) — tudo segue o padrão de preços internacionais.
“O combustível segue a paridade internacional, apesar de ser produzido em quase 90% no Brasil. Ele representa de 35% a 40% dos custos das companhias aéreas”, explica Quintella. Além disso, tributos como o ICMS estadual sobre o QAV, e taxas da Infraero e da Anac — referentes a pouso, permanência e navegação — contribuem para encarecer ainda mais a operação. Segundo estudo da IATA, o Brasil está entre os países com maior carga tributária na aviação civil.
Falta de apoio governamental
Durante a crise sanitária, enquanto outros países injetaram recursos no setor aéreo, o Brasil se absteve de oferecer suporte direto às companhias. “A Azul não recebeu suporte financeiro nenhum diretamente do governo brasileiro durante a pandemia — nem a Gol, nem a Latam”, lembra Quintella.
A ausência de medidas emergenciais dificultou a recuperação das empresas, mesmo com o retorno parcial da demanda no pós-pandemia. A instabilidade macroeconômica, a inflação persistente e o câmbio volátil contribuíram para prolongar a crise.
Tarifas elevadas não significam lucro
O aumento expressivo no valor das passagens aéreas desde a pandemia tem chamado a atenção dos consumidores, mas não se traduziu em recuperação financeira. “As passagens aéreas realmente subiram muito acima da inflação. Isso é uma tentativa de recompor as margens e compensar os prejuízos acumulados”, destaca o diretor da FGV.
Em muitos casos, as empresas vendem bilhetes abaixo do custo real para manter a competitividade no mercado, o que prejudica ainda mais as finanças. “Isso compromete logicamente a lucratividade da empresa”, afirma Quintella.
Recuperação judicial: estratégia de reestruturação
A decisão da Azul de recorrer ao Chapter 11 faz parte de uma estratégia empresarial que visa preservar a operação. “Você pode refinanciar dívidas, eliminar dívidas caras, converter passivos em participação acionária e buscar aportes de capital”, detalha o especialista.
A Azul já anunciou medidas para racionalizar sua estrutura, incluindo apoio financeiro das norte-americanas United Airlines e American Airlines, além da substituição de 35% da frota por aeronaves mais eficientes. O plano de recuperação deve ser concluído até o início de 2026.
Encolhimento da malha e concentração de voos
A tendência, segundo Quintella, é que a Azul siga o caminho da Gol e corte rotas menos rentáveis, concentrando suas operações em grandes centros urbanos. “A aviação comercial vai se concentrar em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador. […] Isso é um ciclo vicioso: menos empresas, menos rotas, passagens mais caras, menos pessoas voando.”
Alternativas para superar a crise
Apesar das dificuldades, o especialista vê potencial para o desenvolvimento da aviação no Brasil, sobretudo em razão das longas distâncias e da demanda reprimida em regiões menos atendidas. Para tanto, ele defende reformas estruturais.
Entre as propostas, estão a padronização e a redução do ICMS sobre o QAV, a criação de subsídios voltados à aviação regional e o estímulo à entrada de empresas de baixo custo (low cost), que ainda enfrentam obstáculos regulatórios para operar no Brasil. “Seria importante também criar um fundo de estabilização cambial para contratos em dólar, para proteger as empresas da volatilidade.”