Incêndios atingiram níveis alarmantes e superaram médias históricas globais
Ondas de calor intensas e secas prolongadas contribuíram decisivamente para a maior perda de florestas tropicais primárias no mundo desde o início dos registros da plataforma Global Forest Watch, em 2002. Segundo novo relatório da ONG World Resources Institute (WRI), baseado em dados da Universidade de Maryland (EUA), os incêndios florestais superaram pela primeira vez a agropecuária como principal causa de desmatamento nas matas tropicais.
Em 2024, o fogo foi responsável por quase metade da perda global de cobertura florestal — um aumento de cinco vezes na destruição por incêndios em relação a 2023, com destaque para a América Latina.
Brasil tem pior ano desde 2016 e lidera devastação
O Brasil, que sediará a COP30 em novembro, enfrentou seu pior ano para as florestas em quase uma década. Aproximadamente 2,8 milhões de hectares de florestas tropicais primárias foram destruídos, o equivalente a quase todo o território da Bélgica. O país respondeu sozinho por 42% da perda global desse tipo de vegetação.
“No ano passado, o Brasil passou por sua seca mais intensa e generalizada em sete décadas. Combinado com altas temperaturas, isso fez com que os incêndios se espalhassem em uma escala sem precedentes por todo o país”, afirmou Mariana Oliveira, gerente de florestas e uso da terra do WRI Brasil. “Foi um ano bastante difícil para nós”, acrescentou.
Amazônia concentrou 80% da perda florestal no Brasil
Cerca de dois terços da destruição no território brasileiro foi causada por incêndios, majoritariamente associados a ações humanas, como queimadas não controladas. A Amazônia respondeu por 80% da perda total no país. A devastação compromete não apenas o combate à mudança climática, mas também a estabilidade de ecossistemas que sustentam um terço da população mundial, além de interferir em regimes locais de temperatura e precipitação.
América do Sul e África também enfrentam aumento na devastação
A seca e as temperaturas extremas também provocaram incêndios mais intensos em países vizinhos, como Bolívia e Colômbia. Nesses locais, a pressão da agropecuária, mineração e extração de madeira contribuiu para o avanço do desmatamento.
Na Bacia do Congo, segundo maior sumidouro de carbono do mundo, a perda de florestas primárias também aumentou. A pobreza extrema e os conflitos armados, especialmente na República Democrática do Congo, ampliaram a dependência da floresta para sobrevivência. Na vizinha República do Congo, 45% da destruição foram causados por incêndios.
“Florestas se tornaram iscas”, alerta WRI
Segundo o diretor global de florestas do WRI, Rod Taylor, os incêndios vêm se tornando mais violentos devido à degradação prévia das florestas. “A causa subjacente de grande parte disso é a mudança climática, que, em última análise, é alimentada por atividades humanas”, afirmou.
“As florestas que antes conseguiam resistir ao fogo agora se tornaram iscas, prontas para explodir”, completou Taylor em entrevista à DW.
Incêndios em florestas boreais também bateram recorde
O aumento da devastação não se limitou aos trópicos. Incêndios de grande escala nas florestas boreais do Canadá e da Rússia contribuíram para um total de 30 milhões de hectares perdidos no mundo em 2024. As emissões globais de incêndios somaram 4,1 gigatoneladas de CO₂, agravando a crise climática.
Apesar de os incêndios serem parte do ciclo natural das florestas boreais, Sarah Carter, pesquisadora da Global Forest Watch, alerta para “circuitos de retorno”, nos quais o solo mais seco e o calor favorecem incêndios mais intensos a cada ano.
Indonésia e Malásia reduzem perda com tecnologia e ação comunitária
Na contramão da tendência, países como Indonésia e Malásia conseguiram reduzir a perda de florestas em 2024. A Indonésia registrou queda de 11% e a Malásia, de 13%, graças a políticas públicas mais rígidas, envolvimento de comunidades locais e uso de tecnologia para monitoramento quase em tempo real.
“A vantagem dessas informações é que elas estão disponíveis quase todos os dias, indicando onde a floresta está sendo destruída”, destacou Carter. Ela aponta que o engajamento do setor privado e o uso de aplicativos de monitoramento foram fundamentais para o resultado.
Governança ambiental enfraquecida preocupa especialistas
Matt Hansen, professor da Universidade de Maryland e coordenador do Global Land Analysis and Discovery Lab, alertou que o enfraquecimento da governança ambiental, inclusive nos Estados Unidos, dificulta os esforços de proteção florestal. “Esses dados devem estimular muito mais do que preocupar”, afirmou. “É preciso que governos e cidadãos ajam com urgência.”
( Com DW )