Endividada e com atrasos nas entregas, estatal tenta acelerar empréstimo com aval da União para reequilibrar operações
Disputa por crédito
Os Correios entraram numa corrida contra o relógio para garantir ao menos R$ 10 bilhões em até 15 dias, numa tentativa de frear o aprofundamento da crise financeira. A direção da estatal trabalha para fechar um empréstimo com garantia da União até o fim do mês — valor que representa metade dos R$ 20 bilhões inicialmente planejados, mas que precisou ser reduzido após bancos apresentarem custos considerados proibitivos na primeira rodada de negociações.
A meta é levantar liquidez suficiente para estabilizar o caixa, recuperar a capacidade operacional e criar espaço para implementar o plano de reestruturação comandado pelo presidente Emmanoel Rondon.
Pressão por cortes de pessoal
O crédito é visto como peça-chave para destravar as ações internas de ajuste, especialmente a redução da despesa com pessoal. A estatal prepara um novo Programa de Demissão Voluntária (PDV) com objetivo de atingir 10 mil desligamentos — bem acima dos 3,6 mil alcançados na edição anterior. A projeção é que a medida reduza a folha de pagamento em cerca de R$ 2 bilhões ao ano.
Para viabilizar isso, os Correios tentam captar o montante com uma taxa máxima de 120% do CDI, patamar definido como aceitável pelo Tesouro para operações com garantia da União. Cerca de dez bancos receberam a proposta e devem responder até o fim do mês.
Bancos travam negociações
Na primeira rodada, instituições como BTG Pactual, Citibank, ABC Brasil e Banco do Brasil apresentaram custo superior ao limite considerado razoável — chegando a 136% do CDI. O patamar elevaria o gasto anual com juros a quase R$ 3 bilhões. Apesar de o risco para o sistema financeiro ser praticamente nulo, já que a União cobre eventuais inadimplências, os bancos evitam comentar o motivo da cobrança elevada.
Para ampliar as possibilidades de captação, a estatal abriu nova etapa de conversas e incluiu bancos menores. A expectativa é obter pelo menos R$ 10 bilhões agora e deixar a parcela restante para uma rodada posterior, possivelmente por meio de um sindicato de instituições, como já ocorreu em operação anterior.
TCU acompanha plano de reestruturação
A direção dos Correios levou ao Tribunal de Contas da União (TCU) as diretrizes do plano de reorganização a fim de evitar contestações futuras. A avaliação interna é que os recursos do empréstimo são essenciais não só para aliviar o caixa, mas também para honrar dívidas em atraso e permitir que o plano de recuperação ganhe tração.
O rombo acumulado da empresa chegou a R$ 4,3 bilhões em 2025. Somente no segundo trimestre, o prejuízo alcançou R$ 2,6 bilhões — quase cinco vezes o resultado negativo registrado no mesmo período de 2024. O déficit mensal gira em torno de R$ 750 milhões.
Atrasos e perda de eficiência
A estatal admite que convive com restrições severas, atrasos a fornecedores e dificuldades operacionais que têm afetado diretamente a qualidade do serviço. O índice de entregas no prazo está em 92%, abaixo dos 95% considerados necessários para preservar contratos relevantes e competir com empresas privadas.
A empresa lembra que chegou a 76% no pior momento do ano, no primeiro semestre, e afirma que a retomada depende da recomposição financeira para negociar condições mais favoráveis com grandes clientes, sobretudo as plataformas de e-commerce.
Empréstimo antigo vira obstáculo
A busca por novos recursos também é dificultada por problemas em operações já contratadas. Os Correios tentam quitar o empréstimo de R$ 1,8 bilhão firmado com Citibank, BTG Pactual e ABC Brasil, cujo custo aumentou após a estatal descumprir cláusula relativa ao estoque de precatórios.
O contrato inicial previa juros de CDI + 3%. Com o descumprimento contratual, o adicional subiu para 4% em outubro e 5% em novembro. Um aditivo de R$ 40,5 milhões foi firmado para corrigir as condições, com pagamento previsto para 28 de novembro e 28 de dezembro. Os bancos, porém, podem reter os valores na conta garantia já a partir de amanhã.
Outro efeito do descumprimento foi o acionamento da cláusula de pagamento antecipado. Antes, o vencimento estava previsto para junho de 2026. Como o estoque de precatórios e RPVs superou R$ 2 bilhões no fim do segundo trimestre — acima do limite contratual — a antecipação foi acionada.
O aditivo suaviza a regra apenas para o segundo e o terceiro trimestres. A partir do quarto, o estoque não poderá exceder R$ 2,5 bilhões.
Como a crise se agravou
A deterioração do caixa dos Correios não é recente. A empresa sofre com queda de receitas, aumento de custos operacionais e perda de eficiência, o que vem corroendo sua capacidade de investimento e atendimento.
A tentativa frustrada de captar R$ 20 bilhões, o custo elevado das operações de crédito e o descumprimento de cláusulas contratuais aceleraram o desgaste. Agora, a estatal tenta levantar ao menos R$ 10 bilhões em 15 dias para honrar pagamentos e ganhar tempo para sua reestruturação.
Enquanto isso, enfrenta juros mais altos, um aditivo de R$ 40,5 milhões em condições desfavoráveis e o risco de ter recursos bloqueados pelos bancos caso não cumpra os novos prazos.

( Com O Globo )



