Primeiros dias revelam tensão entre manifestantes, governo e organização internacional, enquanto temas centrais empacam e ampliam a expectativa por avanços
Protestos e quebra de protocolo
A primeira semana da COP30, em Belém, foi marcada por manifestações intensas, críticas da ONU e dificuldades para consolidar a agenda oficial da conferência, que se encerra no próximo dia 21. O episódio mais tenso ocorreu na terça-feira, quando manifestantes invadiram a Blue Zone — área restrita das negociações climáticas —, deixando um segurança ferido e interrompendo temporariamente a circulação no local. A Polícia Federal abriu investigação.
O tumulto começou na área de credenciamento, após participantes da Marcha Global Saúde e Clima tentarem forçar a entrada. Entre eles, profissionais de saúde, estudantes, lideranças indígenas e representantes de movimentos sociais que reivindicavam políticas públicas voltadas ao setor. Ao tentar conter o avanço, a segurança da ONU removeu integrantes que insistiam em permanecer na entrada. Uma das portas precisou ser fechada.
Em nota, os organizadores da marcha afirmaram que os atos posteriores ao protesto não foram conduzidos pelo grupo responsável pela mobilização.
Mobilização indígena aumenta pressão política
Na sexta-feira, cerca de 90 indígenas Munduruku, ligados ao Movimento Ipereg Ayu, realizaram um protesto pacífico em frente à Blue Zone por volta das 5h40. A ação levou o Exército a reforçar a segurança e bloqueou temporariamente a entrada principal. Eles pedem uma reunião urgente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e denunciam que projetos federais de infraestrutura ameaçam seus territórios na bacia dos rios Tapajós e Xingu.
Os manifestantes foram recebidos pelo presidente da conferência, André Corrêa do Lago, e pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. Corrêa do Lago chegou a segurar um bebê Munduruku ao receber o grupo, num gesto simbólico em meio às tensões.
ONU cobra solução para falhas de segurança e infraestrutura
A pressão aumentou na quarta-feira, quando a ONU enviou uma carta ao governo brasileiro cobrando um plano de ação para lidar com problemas estruturais na COP30 — da segurança ao funcionamento de sistemas como ar-condicionado. A invasão à Blue Zone foi citada como resultado de falhas no esquema de proteção prometido previamente.
O secretário-executivo da Convenção do Clima da ONU (UNFCCC), Simon Stiell, criticou a falta de efetivo e mencionou que a Polícia Federal teria sido orientada pelo gabinete presidencial a não dispersar manifestantes. Também apontou o descumprimento de uma área de exclusão que deveria controlar o fluxo de pessoas.
O forte calor nos primeiros dias do evento reforçou as queixas de delegações sobre o funcionamento dos pavilhões. A Casa Civil respondeu que não participou de decisões relacionadas à segurança no episódio do dia 11 e afirmou que todas as solicitações da ONU estão sendo atendidas. Corrêa do Lago minimizou o atrito e disse que a situação foi superada.
Entraves na definição da agenda oficial
A presidência da COP30 havia prometido, no início da semana, anunciar uma decisão sobre quatro itens pendentes da agenda oficial. O prazo venceu sem acordo — e ainda surgiu mais um ponto de impasse. Apesar disso, integrantes da delegação brasileira mantêm discurso de “otimismo cauteloso”. Corrêa do Lago prometeu avanços até sábado.
Pontos que seguem sem consenso:
Déficit das NDCs
As metas apresentadas pelos países ainda não garantem o limite de 1,5°C de aquecimento. Algumas nações defendem discutir soluções nesta COP.
Financiamento climático
O tema integrou o “roadmap” Baku-Belém, mas países pressionam para levá-lo à agenda oficial.
Medidas unilaterais de comércio
Parte dos países quer adotar critérios ambientais como barreiras não tarifárias; outros temem prejuízo às exportações.
Relatórios de transparência
Ainda há divergências sobre a forma de apresentação e avaliação dos dados bianuais de mitigação e adaptação.
O objetivo é construir consenso sobre cem indicadores globais que permitam medir avanços em adaptação e resiliência.
Travada também na adaptação
As negociações da Meta Global de Adaptação (GGA) enfrentam resistência, especialmente de países africanos, que pedem mais dois anos de trabalho técnico antes de aprovar indicadores. Reuniões realizadas terça e quarta-feira terminaram sem acordo. Nova rodada ocorre nesta sexta-feira.
Especialistas temem que o atraso enfraqueça a ambição climática. Para Flávia Martinelli, do WWF-Brasil, adiar a aprovação dos indicadores envia um sinal negativo:
— Agir pela adaptação significa poupar vidas e recursos. Precisamos que a Meta Global de Adaptação avance ainda nesta COP30 — afirmou.
Bastidores do roadmap para transição energética
Paralelamente às negociações formais, ganha força a articulação por um roadmap para a transição energética, liderada pela ministra Marina Silva e apoiada por países como Reino Unido, Alemanha, França, Dinamarca, Colômbia e Quênia. O governo Lula aposta em um pacto que estabeleça diretrizes para superar os combustíveis fósseis.
O plano envolve definir responsabilidades, prazos e fontes de financiamento para reduzir o uso de petróleo, gás e carvão — principais motores do aquecimento global. A proposta pode integrar o documento final da COP30, permitindo que países avancem na implementação ao longo do próximo ano.
A cobrança por um roadmap foi reforçada por Lula na abertura da cúpula de líderes, poucos dias após o governo liberar a Petrobras para explorar petróleo na Margem Equatorial, decisão criticada por ambientalistas.



