Conversas reveladoras mostram como militares e aliados planejaram um golpe para tomar o poder
Áudios inéditos obtidos pela Polícia Federal a partir da análise de mais de 1.200 celulares e computadores revelam os bastidores de uma tentativa de golpe de Estado arquitetada em 2022. As gravações indicam que militares de alta patente estavam em contato direto com manifestantes e planejavam uma ação paralela para contestar a legitimidade das urnas eletrônicas. Além disso, os registros mostram que esses militares estavam alinhados com o então presidente Jair Bolsonaro e tentaram pressioná-lo a assinar um decreto que comprometesse o funcionamento democrático do país.
Em um dos áudios, o tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, membro do Comando de Operações Terrestres do Exército, afirma: “A gente não sai das quatro linhas. Vai ter uma hora que a gente vai ter que sair. Ou então eles vão continuar dominando a gente”. Em outra gravação, enviada por um interlocutor anônimo, é mencionada a articulação entre os militares e os manifestantes: “O povo está nas ruas, pedindo para que haja uma outra eleição, de forma que possa ser cobrado de uma forma mais clara”, declarou o remetente.
Almeida também comentou sobre os eventos de 8 de janeiro de 2023, quando ocorreu a invasão das sedes dos Três Poderes: “Vai atropelar a grade e depois não vai ter mais como sair. […] Eu tô tentando plantar isso nas redes, onde eles estão. Tô participando de vários grupos civis.”
Em relação às urnas eletrônicas, Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro, compartilhou uma gravação de um suposto hacker que estava investigando “inconsistências” nos dados das eleições de 2022, que resultaram na vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. O hacker afirmou: “Logo que saíram os arquivos do TSE, vou pegar esses arquivos aí pra ver o que dá pra fazer. E vou buscar, agora, qual que é a inconsistência desse negócio aí. Por que tá essa votação? Mas a gente teria que encontrar alguém lá de cima, do governo, principalmente.”
O suposto hacker também mencionou a ministra Damares Alves, dizendo que ela teria indicado uma assessora do ex-presidente Bolsonaro para ajudar a encaminhar a questão. “Por coincidência, uma tia tá na mesma igreja da Damares, da ministra. Aí a Damares, ela escutou e passou um contato de uma assessora do Bolsonaro”, afirmou.
Os áudios também revelaram como os militares incentivaram Bolsonaro a seguir com o plano golpista. Durante as conversas, ficou claro que o ex-presidente buscava apoio das Forças Armadas para concretizar a ação, temendo possíveis consequências legais. “Ele entende o que pode acontecer”, disse Cid ao General Freire Gomes.
Em outro trecho, o general Mário Fernandes afirmou: “Força, kid preto. Kid preto, algumas fontes sinalizaram que o Comandante da Força foi ao Alvorada, para sinalizar ao presidente que ele podia dar a ordem. Pô, se o senhor está com o presidente agora e ouvir a tempo, p****, blinda ele contra qualquer desestímulo. Isso é importante, kid preto. Força.” Porém, conforme revelado nas gravações, o Alto Comando do Exército rejeitou a ideia de apoiar o golpe. O tenente-coronel Sérgio Cavaliere informou ao coronel Gustavo Gomes: “Então, é assim tio, deu ruim, tá? Acabei de falar com o nosso amigo lá, ele falou que não vai rolar nada. O Alto Comando não vai topar. A Marinha topa, mas só se tiver outra Força com ela, porque ela não aguenta a porrada que vai tomar sozinha.”
Esses áudios foram divulgados pelo programa Fantástico no domingo (23/2). Em resposta, as defesas de Cid e de Mário Fernandes não quiseram comentar sobre os áudios. A assessoria de Damares Alves, por sua vez, afirmou não se recordar de ter fornecido qualquer contato de assessores para facilitar a investigação sobre as urnas.