Anexação do arquipélago em 1898 consolidou avanço imperial dos Estados Unidos e selou o fim do reino havaiano
No final do século 19, um golpe articulado por empresários americanos com apoio militar derrubou a monarquia nativa e abriu caminho para que o Havaí fosse incorporado aos Estados Unidos como território estratégico no Pacífico.
Um reino independente em meio à disputa imperial

As pressões dos produtores americanos de açúcar causaram a renúncia ao trono da rainha do Havaí, Lili’uokalani – Crédito,Getty Images
Até o início da década de 1890, o Havaí era uma monarquia soberana liderada pela rainha Liliʻuokalani (1838–1917). Localizado em posição estratégica entre os mercados da Ásia e da América, o arquipélago passou a despertar crescente interesse geopolítico entre potências coloniais europeias — e, cada vez mais, pelos Estados Unidos.
Comerciantes e empresários americanos se estabeleceram no Havaí, explorando sobretudo a lucrativa produção de açúcar. Trabalhadores japoneses também compunham a força de trabalho nas plantações, frequentemente em condições abusivas. A presença desses grupos e o peso econômico da região aumentaram o temor de que o Japão disputasse o controle das ilhas.
“O grupo de empresários americanos ficou muito rico e, agora, queria que seu poder político igualasse o econômico”, explica o historiador Robert Merry, biógrafo do presidente William McKinley.
A conspiração para derrubar a monarquia
Diante da crescente influência estrangeira, a rainha Liliʻuokalani buscou aprovar uma nova Constituição que garantisse mais direitos aos nativos e fortalecesse a Coroa. A proposta alarmou os produtores de açúcar, que temiam a perda de seus privilégios políticos e econômicos.
A tensão aumentou quando o governo dos EUA impôs tarifas sobre a importação de açúcar, afetando diretamente os lucros dos produtores havaianos.
Segundo o historiador Tennant McWilliams, “só havia uma forma para que eles sobrevivessem: passar a fazer parte dos Estados Unidos”.
O grupo organizou um golpe com apoio do representante americano John L. Stevens e de fuzileiros navais enviados à capital, Honolulu. A rainha foi obrigada a renunciar. “Ela ficou sob enorme pressão e renunciou ao trono”, relata Merry.
Um governo provisório foi instalado e, imediatamente, solicitou a anexação do Havaí a Washington.
Cleveland resiste à anexação

O presidente americano Grover Cleveland condenou as ações dos conspiradores americanos e ordenou a devolução do poder à rainha, o que não aconteceu – Crédito,Getty Images
O presidente Benjamin Harrison chegou a propor a anexação ao Congresso, mas a falta de apoio político impediu o avanço. Seu sucessor, Grover Cleveland, assumiu em 1893 com uma postura radicalmente diferente.
Após uma investigação, Cleveland concluiu que a deposição da rainha havia sido ilegal. “Ele não só condenou a agressividade dos Estados Unidos como também exigiu uma solução moral e pragmática: devolver o poder à rainha”, relata McWilliams.
Cleveland, isolacionista, afirmou que os EUA deveriam oferecer aos outros povos “a mesma liberdade e independência (…) que sempre reivindicamos para nós”. Ainda assim, recusou-se a intervir militarmente para restaurar a monarquia.
McKinley retoma o plano expansionista

Cleveland (dir.), na posse de McKinley (centro). O novo presidente americano levaria a cabo a anexação do Havaí, que Cleveland havia rejeitado – Crédito,Getty Images
A questão havaiana voltou à pauta em 1897, com a eleição de William McKinley. Descrito como “ardente imperialista”, o novo presidente via o Havaí como peça essencial para a segurança dos Estados Unidos.
“McKinley não era um visionário expansionista, mas um gestor atento. Percebeu que a independência do Havaí era insustentável”, observa Robert Merry.
O Congresso inicialmente rejeitou nova tentativa de anexação. No entanto, o cenário mudou no ano seguinte, com a eclosão da Guerra Hispano-Americana, motivada pelo conflito entre Cuba e a Espanha.
Guerra com a Espanha acelerou anexação
Ao entrar na guerra, os EUA passaram a ver o Havaí como ponto de apoio logístico fundamental para ataques às Filipinas, colônia espanhola no Pacífico.
Segundo o Instituto Gilder Lehrman, “a guerra levou os Estados Unidos a anexar o Havaí, porque demonstrou a importância militar do arquipélago frente ao aspecto moral da anexação”.
Em 12 de agosto de 1898, McKinley sancionou a lei aprovada pelo Congresso, transformando o Havaí em território dos EUA.
O Havaí como base do poder militar americano

O Havaí é a base da maior frota da Marinha americana – Crédito,Getty Images
Desde a anexação, o arquipélago tornou-se uma das principais bases da Marinha dos Estados Unidos na região do Pacífico.
“Era a época dos grandes navios de aço a carvão. O Havaí era necessário para manter posição dominante no oceano”, explica Merry.
O ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, confirmou o valor estratégico das ilhas. Atualmente, o Havaí abriga a Frota do Pacífico, com 200 navios e 1,5 mil aeronaves.
Com a ascensão da China como rival geopolítica, o arquipélago continua sendo peça-chave na presença militar americana na Ásia.
Reações e o movimento por soberania

Os Estados Unidos desconsideraram as manifestações dos nativos havaianos, que se opuseram à anexação do arquipélago – Crédito,Getty Images
A queda da monarquia havaiana e a anexação aos EUA deixaram marcas profundas. Além de ignorar a vontade de milhares de nativos que assinaram petições contra a medida, o processo selou o fim de uma nação soberana.
Em 1993, o Congresso norte-americano aprovou uma resolução pedindo “desculpas aos nativos havaianos pela derrubada do reino do Havaí”, reconhecendo a conspiração como “ilegal”.
O documento destacou que o povo havaiano vivia em um “sistema social altamente organizado e autossuficiente, baseado na posse comunitária da terra”.
O sentimento de injustiça deu origem a um movimento pela soberania havaiana, que permanece ativo até hoje, em busca de reconhecimento histórico e reparação simbólica.
( Com BBC Mundo )