Com impasse sobre sobretaxa e pressões políticas, Casa Branca mira lítio, terras-raras e nióbio enquanto Brasil tenta formular política nacional para o setor
A já tensa relação entre Brasil e Estados Unidos ganhou um novo ingrediente nesta quinta-feira (24), com a confirmação do interesse da Casa Branca nos chamados minerais críticos e estratégicos brasileiros. O tema surge num momento sensível, em que a administração de Trump aplica uma sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, a partir de 1º de agosto, e o governo Lula finaliza uma política nacional voltada a esse tipo de recurso natural — batizada internamente de “Mineração para Energia Limpa” (MEL).
O programa em gestação no Ministério de Minas e Energia (MME) prevê medidas como incentivo a pequenas e médias empresas do setor, emissão de debêntures incentivadas para financiar projetos e o estímulo ao mapeamento geológico de áreas ainda pouco exploradas no território nacional.
Entre os recursos cobiçados por potências como Estados Unidos e China estão o lítio, cobre, grafita, silício e terras-raras — elementos cruciais para setores como energia renovável, veículos elétricos, indústria da defesa e tecnologias de ponta.
Diplomacia mineral em meio à tensão comercial
Na quarta-feira, o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA em Brasília, Gabriel Escobar, reuniu-se com representantes do setor de mineração brasileiro e manifestou o desejo americano de ter acesso a esses insumos. Segundo interlocutores, o gesto foi interpretado como possível tentativa de vincular o interesse estratégico dos EUA aos impasses tarifários — algo que o governo brasileiro evita reconhecer oficialmente.
No Brasil, o subsolo é propriedade da União, e a exploração de seus recursos depende de concessões federais. Por isso, o país mantém algum poder de barganha. No entanto, ainda não está claro de que maneira os EUA pretendem viabilizar o acesso a esses minerais — nem se buscam acordos comerciais diretos, parcerias com empresas locais ou apoio institucional.
Especialistas alertam para risco de exportar só matéria-prima
O engenheiro de minas Jorge Boeira, da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), avalia que o simples controle das reservas minerais não garante vantagem geopolítica. Para transformar esses ativos em influência real, é preciso agregar valor à produção e investir em industrialização.
— O Brasil precisa definir com clareza qual é seu projeto de desenvolvimento para esses recursos. Exportar minério bruto mantém o país na condição de fornecedor periférico. O que importa é negociar inserção qualificada nas cadeias globais de alta tecnologia — afirmou.
Segundo ele, o país poderia vincular a exportação de minerais estratégicos a compromissos internacionais de investimento em beneficiamento, transferência de tecnologia e fabricação de materiais avançados em solo nacional.
Trump vincula sobretaxa a questões internas do Brasil
Apesar do aceno técnico feito pela diplomacia americana, o presidente Donald Trump tem vinculado a possível reversão da sobretaxa à situação jurídica de Jair Bolsonaro, além de manifestar críticas à regulação brasileira sobre big techs.
Para o governo Lula, esse tipo de exigência ultrapassa os limites da diplomacia comercial e beira interferência em assuntos internos. A posição oficial do Palácio do Planalto é manter a negociação restrita à pauta econômica.
Brasil tem grandes reservas, mas pouca produção
Levantamento do Guia para o Investidor Estrangeiro em Minerais Críticos 2025, do MME, revela que o Brasil é detentor de reservas expressivas, mas tem baixa participação na produção global. O país concentra:
- 94% das reservas e 90% da produção mundial de nióbio
- 19% das reservas de terras-raras, mas apenas 0,02% da produção
- 26,4% das reservas de grafita e 4,56% da oferta global
- 12,3% das reservas de níquel e 2,47% da produção
- 4,9% das reservas de lítio e 2,72% da produção
Entenda: o que são as terras-raras?
As terras-raras são um grupo de 17 elementos químicos fundamentais para a fabricação de celulares, veículos elétricos, painéis solares e equipamentos militares. Embora não sejam raros no sentido geológico, são escassos em concentração suficiente para exploração econômica. Sua cadeia de processamento também é complexa e concentrada, em especial na China.