Insatisfação com a liberação de emendas e críticas ao aumento de impostos unificam centro, direita e até setores da centro-esquerda contra o Palácio do Planalto
Em uma demonstração de força política e descontentamento, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta segunda-feira (16) uma medida contrária ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com ampla maioria formada por partidos que, paradoxalmente, integram a estrutura ministerial do próprio Executivo.
O placar de 346 votos favoráveis à urgência para derrubar o novo decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), publicado na semana passada, evidenciou o isolamento do governo. Entre os que apoiaram a derrota estiveram legendas como União Brasil, PP, Republicanos, PSD e MDB — todos com ministérios na Esplanada — além do PDT, atualmente envolvido em denúncias relacionadas a descontos indevidos no INSS. A oposição, liderada pelo PL, também votou em bloco.
Do lado governista, apenas PT, PSB e PSOL permaneceram fiéis, somando 97 votos. Diante do cenário adverso, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), optou por liberar a bancada, sem indicar posição oficial.
Reclamações sobre emendas aceleram desgaste com a base
Embora o discurso predominante durante a votação tenha sido contra o aumento de impostos, o pano de fundo da derrota está ligado à crescente insatisfação dos parlamentares com o ritmo de execução das emendas orçamentárias.
Durante a sessão, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), tentou reduzir o impacto político da derrota ao afirmar que o resultado já era previsível e que a situação “não é o fim do mundo”. Ele também recorreu ao argumento utilizado recentemente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao dizer que as medidas fiscais afetam os “moradores de cobertura”, em referência aos contribuintes de maior renda.
O deputado Rogério Correia (PT-MG) recorreu ao humor para criticar a resistência do Congresso em aprovar tributações sobre os mais ricos: “Estou achando que é mais fácil uma vaca tossir ou um saci cruzar as pernas do que esse Congresso Nacional aumentar imposto de rico”, declarou.
Aliados de Lula engrossam coro de críticas ao governo
A crise na base aliada ficou ainda mais evidente quando líderes de partidos com participação no governo subiram à tribuna para criticar abertamente o Palácio do Planalto. Além de apoiar a urgência para a votação do projeto de decreto legislativo, parlamentares fizeram duras críticas à política econômica e à gestão das emendas.
O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), voltou a atacar o ministro da Fazenda, apelidando-o de “Taxadd”, em alusão ao aumento de tributos. “O governo do descondenado e do ‘taxad’ já criou, até a semana passada, 24 impostos. Agora, com essa MP e com o novo IOF, serão 28 impostos. Isso significa que o governo cria um imposto a cada 37 dias. É uma vergonha esse desgoverno!”, disparou.
Reunião de emergência com a cúpula do governo
Horas antes da votação, os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais) reuniram-se com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e com líderes dos partidos governistas na tentativa de conter a insatisfação. Durante a conversa, Motta adiantou que pautaria apenas o requerimento de urgência para o projeto que visa derrubar o decreto do IOF, evitando discutir o mérito da proposta naquele momento.
No encontro, os ministros ouviram uma série de reclamações por parte dos deputados. Os principais focos de insatisfação foram a lentidão na liberação de verbas relativas ao Orçamento de 2025 e o atraso no pagamento de emendas aprovadas em exercícios anteriores.
Apesar da sinalização de que a votação de mérito ainda não tem data definida, a derrota na análise da urgência já representa um claro recado político da Câmara ao Palácio do Planalto, em meio a uma base cada vez mais fragmentada.