Projeto, conhecido como ECA Digital, estabelece regras para o uso de redes sociais por menores e fortalece mecanismos de proteção online
Aprovação histórica no plenário
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (20), o Projeto de Lei 2628/22, voltado à proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital. A medida chegou ao plenário após ampla repercussão gerada pelo vídeo de denúncia do influenciador Felca, que evidenciou casos de exploração infantil nas redes sociais.
Com 465 dos 513 deputados presentes, a votação ocorreu de forma simbólica, sem registro individual de votos. Apenas o partido Novo e o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) se posicionaram contra a proposta. A iniciativa recebeu apoio do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do governo federal.
Conteúdo do projeto e histórico
Batizado de ECA Digital em referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o projeto foi apresentado em 2022 pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) e aprovado pelo Senado no ano passado. Ele obriga plataformas digitais a implementar mecanismos de proteção, prevenindo que crianças e adolescentes acessem conteúdos impróprios, e estabelece regras para o uso seguro dessas plataformas por esse público.
O projeto enfrentou resistência inicial de deputados bolsonaristas, que argumentavam que a lei poderia abrir caminho para censura nas redes sociais. Após ajustes, como a limitação das notificações de conteúdo inadequado — que agora só podem ser feitas por vítimas, responsáveis, Ministério Público ou entidades representativas —, a proposta ganhou apoio mais amplo.
Reações e debates no plenário
Durante a votação simbólica, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) ressaltou o consenso alcançado após alterações no texto, mas manifestou preocupação com possíveis interpretações futuras: “Não havia consenso, mas agora há. Houve um equilíbrio, um denominador comum. Mas espero que o projeto não seja usado no futuro para algo pior”.
Hugo Motta afirmou que a aprovação é “uma grande demonstração de que não é uma pauta da esquerda ou da direita, mas do Brasil”. Na véspera, sob protestos de bolsonaristas, a Câmara havia aprovado em caráter de urgência o projeto, acelerando sua tramitação.
Comissão geral e especialistas
Pela manhã, antes da votação, foi realizada uma comissão geral no plenário para ouvir mais de 40 especialistas em proteção de crianças e adolescentes. Os participantes defenderam o texto como um marco civilizatório, descartando alegações de censura.
Luciana Temer, advogada e presidente do Instituto Liberta, destacou que a regulamentação não demoniza as redes sociais, mas é necessária para conter abusos: “As redes não devem ser demonizadas, mas é preciso ter um freio”.
João Brant, secretário de políticas digitais do governo federal, reforçou a necessidade de criação de uma autoridade nacional para supervisionar as plataformas: “O PL 2628 é um exemplo de que, quando o Congresso ouve a sociedade e especialistas, todos ganham”.
Remoção de conteúdo e papel da Anatel
O texto aprovado estabelece que conteúdos prejudiciais a menores devem ser removidos mediante decisão judicial ou notificação das plataformas sobre violações envolvendo exploração sexual, violência, assédio, automutilação, suicídio, promoção de jogos de azar, tabaco, álcool ou pornografia.
Outra mudança relevante foi atribuir à Anatel competências para colaborar no bloqueio de conteúdos. Bolsonaristas defendiam que a proteção infantil poderia ser usada como pretexto para controlar as big techs, mas o relator Jadyel Alencar (Republicanos-PI) reforçou que o projeto não prevê censura ou regulação política.
Próximos passos e grupo de trabalho
A Câmara também criou um grupo de trabalho, com dois deputados de cada partido, para apresentar, em 30 dias, uma nova proposta integrando mais de 60 projetos em tramitação sobre proteção infantil online. Segundo Hugo Motta, a iniciativa complementa o PL 2628 e abordará outros pontos relevantes.
O Palácio do Planalto anunciou que enviará à Câmara projeto próprio para regulamentar as big techs, com base em critérios similares aos definidos pelo Supremo Tribunal Federal em junho, que alterou o Marco Civil da Internet.