Proposta retoma modelo da Constituição de 1988, que condicionava a abertura de inquéritos à autorização do Legislativo e permitia votação secreta para barrar processos
A Câmara dos Deputados incluiu na pauta desta quarta-feira (27) a chamada PEC da Blindagem, que abre a possibilidade de restaurar dispositivos da Constituição de 1988. Pelo modelo original, deputados e senadores tinham poder para suspender investigações contra colegas em votação secreta, restringindo a atuação do Judiciário e do Ministério Público.
O relator da proposta, deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), ainda não apresentou novo parecer, mas a retomada do texto original é uma das alternativas em debate. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), foi quem pautou a matéria.
Como funcionava a regra de 1988
Até 2001, tanto a abertura de investigações quanto o oferecimento de denúncia contra parlamentares dependiam de autorização da Câmara ou do Senado. Na prática, a Procuradoria-Geral da República (PGR) precisava submeter ao Supremo Tribunal Federal (STF) o pedido de inquérito, que só seguia adiante após aval político.
“Essa exigência criava uma barreira que, muitas vezes, inviabilizava a apuração de responsabilidades”, avalia o advogado constitucionalista Adib Abdouini.
O texto constitucional era genérico, permitindo bloqueio de investigações por crimes comuns, inclusive homicídio. Nos casos de flagrante por crimes inafiançáveis, os autos eram enviados em 24 horas ao Legislativo, que decidia, em voto secreto, sobre prisão e prosseguimento da ação.
Segundo o advogado criminalista Michel Saliba, o mecanismo favorecia arquivamentos: “Chegavam investigações e, quando iam para o voto secreto, muitas sequer eram votadas. Engavetaram muitas acusações e investigações”.
Essa dinâmica só foi alterada em 2001, com a Emenda Constitucional nº 35, que retirou a necessidade de autorização prévia para investigações.
Como é hoje
Atualmente, o Ministério Público Federal (MPF) pode instaurar inquérito e oferecer denúncia diretamente ao STF em casos relacionados ao mandato.
Se o crime for anterior à eleição ou não tiver relação com a atividade parlamentar, o processo é remetido à primeira instância.
A única prerrogativa mantida é a possibilidade de Câmara ou Senado suspenderem o andamento de uma ação penal em curso, por maioria absoluta. Ou seja, não se impede mais a investigação, mas é possível sustar temporariamente o processo.
Exemplos antes e depois da mudança
- Humberto Costa: quando deputado, só foi investigado após autorização da Câmara, em caso ligado a contratos em Pernambuco.
- Hildebrando Pascoal (anos 1990): acusado de chefiar grupo de extermínio no Acre, teve processo liberado apenas após autorização do Legislativo.
- Eduardo Cunha (2016): já sob a nova regra, foi investigado e denunciado sem aval da Câmara, enquanto ocupava a presidência da Casa.
- Aécio Neves (2017): como senador, foi alvo de medidas cautelares da Lava Jato sem necessidade de autorização prévia, embora o Senado tenha discutido as restrições impostas pelo STF.
Exceção para o presidente da República
A Constituição mantém tratamento especial para o presidente da República. Para crimes comuns, a abertura de ação penal depende de autorização da Câmara, com apoio de dois terços dos deputados, e o julgamento cabe ao STF.
Em 2017, por exemplo, duas denúncias contra Michel Temer foram barradas pela Câmara e ficaram suspensas até o fim do mandato.
Nos crimes de responsabilidade, o processo também exige autorização da Câmara, mas o julgamento ocorre no Senado.
“Em termos de evolução histórica, a Constituição caminhou para reduzir os privilégios parlamentares, facilitando a investigação e o processamento criminal, ao mesmo tempo em que manteve um regime diferenciado para o Presidente da República em razão da relevância institucional do cargo”, conclui Abdouini.