Reservas de terras raras e tensões comerciais colocam o país no radar norte-americano como potencial parceiro estratégico
O aumento das restrições da China à exportação de terras raras reacendeu a tensão com os Estados Unidos, que responderam com tarifas adicionais de até 100% sobre produtos chineses. No centro dessa disputa global por minerais críticos, o Brasil desponta como um possível aliado estratégico de Washington, graças ao peso de suas reservas naturais.
Esses minerais, essenciais para a produção de tecnologias avançadas — como celulares, computadores, turbinas eólicas, equipamentos médicos, mísseis e aeronaves de combate —, tornaram-se ativos geopolíticos de grande valor. O Brasil detém 23% das reservas mundiais de terras raras, ficando atrás apenas da China, que concentra 49% e já chegou a dominar 95% da produção global em 2010.

Diante do monopólio chinês, os EUA buscam diversificar fornecedores. Para analistas consultados pelo R7, essa estratégia pode fortalecer a aproximação entre Washington e Brasília.
Segundo Vito Villar, coordenador de Comércio Internacional da BMJ Consultores, o país “ainda possui baixa participação nas exportações globais, mas pode se tornar um ativo valioso para um entendimento bilateral”.
O tema ganhou força após o encontro, em Washington, entre o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) e o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, na última quinta-feira (16), para discutir a relação comercial entre os dois países.
“A necessidade do governo Trump de diversificar fornecedores pode se sobrepor à sua disposição de manter tarifas elevadas, especialmente diante do interesse brasileiro em utilizar esse tema como moeda de troca”, explica Villar.
Entre os assuntos em pauta, especialistas apontam a possibilidade de negociações que envolvam:
- Transferência de tecnologia e de processos de beneficiamento;
- Acordos de sustentabilidade, com padrões ambientais e sociais para exploração;
- Contrapartidas comerciais, com maior acesso do agronegócio e da indústria brasileira ao mercado dos EUA e mecanismos de proteção a investidores.
Obstáculos ambientais e legais
Apesar do interesse internacional, a exploração das terras raras enfrenta entraves ambientais e regulatórios. O modelo chinês de extração, altamente poluente, levou o país a restringir a exportação do minério bruto, priorizando a venda de produtos processados.
Para Maurício Angelo, diretor do Observatório da Mineração, “não dá para falar que a mineração é sustentável, porque é uma atividade essencialmente que extrai recursos finitos, que geram um impacto ambiental muito grande, um dano que é irrecuperável na maior parte dos casos”.
Além das questões ambientais, o licenciamento no Brasil segue um processo rigoroso. De acordo com o especialista em comércio exterior Jackson Campos, “em 2025, houve atualização do marco de licenciamento para dar mais clareza e previsibilidade, mas projetos de maior impacto continuam sujeitos a avaliação rigorosa e judicialização possível”.
Ele lembra que a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Ibama são os principais órgãos responsáveis pela regulação e liberação de projetos do setor.
Conselho Nacional de Política Mineral
Paralelamente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva instalou o Conselho Nacional de Política Mineral, criado em 2022, para discutir temas como minerais críticos, mineração sustentável e segurança energética. O colegiado é vinculado ao Ministério de Minas e Energia e busca consolidar diretrizes para o desenvolvimento do setor.
Disputa global e papel do Brasil
A China mantém o controle de 85% a 90% da capacidade mundial de refino e processamento desses minerais, um domínio que reforça seu protagonismo na cadeia produtiva global. Países como Austrália, Rússia, Índia, Vietnã e Groenlândia também possuem reservas, mas ainda não rivalizam com a capacidade chinesa.
Apesar de ter apenas 1% de participação atual no mercado, o Brasil poderia ampliar sua presença com investimentos em ciência e tecnologia, destaca o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Para Victor Brandão, consultor da BMJ Consultores, “qualquer país que tenha uma reserva relevante do minério, começando hoje, demoraria de 20 a 30 anos para ter uma produção expressiva, considerando todas as etapas, desde a pesquisa até o uso industrial e militar”.
Campos, por sua vez, acredita que a conjuntura pode acelerar acordos bilaterais envolvendo fornecimento preferencial, investimentos em processamento local e cooperação tecnológica.
“Se o país alinhar seu potencial mineral a uma estrutura regulatória estável, poderá se posicionar não apenas como fornecedor de matéria-prima, mas como elo estratégico na cadeia global de terras raras“, afirma.
Fonte: R7