Navios que burlam sanções à Rússia preocupam a UE, enquanto pacote dos EUA prevê tarifas pesadas para importadores de óleo russo
União Europeia intensifica cerco ao petróleo russo, e medida pode afetar abastecimento brasileiro; proposta nos EUA prevê tarifas de até 500% a países que mantêm comércio com Moscou
A União Europeia anunciou nesta terça-feira (20) o 17º pacote de sanções contra a Rússia, com foco no setor de petróleo. A nova ofensiva econômica, que visa apertar o cerco sobre a chamada “shadow fleet” — frota fantasma que transporta óleo russo burlando sanções —, ocorre em meio a conversas com os Estados Unidos sobre medidas adicionais, incluindo tarifas punitivas a países que mantêm relações comerciais com Moscou. Entre os possíveis afetados, está o Brasil, hoje altamente dependente do diesel russo.
A escalada foi confirmada após uma publicação de Friedrich Merz, líder da oposição alemã, que afirmou ter alinhado ações com o presidente dos EUA, Donald Trump, após este conversar diretamente com Vladimir Putin: “A Europa aumentará a pressão sobre Moscou por meio de sanções. Foi isso que acordamos com @POTUS”, escreveu.
Brasil compra mais de 60% do diesel russo
Com déficit de 25% entre produção e consumo de diesel, o Brasil viu a Rússia se tornar, em 2024, sua principal fornecedora do combustível, responsável por 63,6% das importações — número superior aos 50,4% registrados em 2023, segundo a Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis). Em visita a Moscou, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a afirmar que “70% dos 30%” do diesel importado pelo Brasil vem da Rússia.
O combustível russo, mais barato que o americano, tornou-se a principal alternativa para suprir o mercado brasileiro, especialmente no setor de transporte de cargas. A Petrobras, contudo, não participa dessa relação direta: a estatal opta por comprar diesel de fornecedores nos Estados Unidos, Índia e países árabes.
Trajeto demorado e tenso até o porto de Santos
Os embarques partem de portos russos na região de São Petersburgo — Primorsk, Vigotski, São Petersburgo e Ust-Luga — e levam cerca de 24 dias até o porto de Santos. A rota, que inclui o golfo da Finlândia, o mar Báltico, os estreitos dinamarqueses e o canal da Mancha, é de quatro a cinco dias mais longa do que as importações originadas do golfo do México.
Além da distância, a tensão geopolítica impõe novos riscos. No último fim de semana, um petroleiro de bandeira grega, após deixar a Estônia, foi abordado por forças russas em área de trânsito previamente negociada. Pouco antes, um caça Su-37 havia invadido o espaço aéreo estoniano. A resposta da UE veio por meio da chanceler Kaja Kallas: “Quanto mais tempo a Rússia continuar em guerra, mais dura será a nossa resposta”, declarou, antecipando que o 18º pacote de sanções já está em discussão.
EUA avaliam punir países que importam da Rússia
A retórica transatlântica ganhou novo tom na semana passada. O ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Noël Barrot, manifestou apoio a um projeto do senador republicano Lindsey Graham, que propõe sobretaxa de até 500% sobre bens de países que continuam negociando com a Rússia. Questionada em Tirana (Albânia), a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, confirmou manter diálogo próximo com o senador americano.
Mesmo sem consenso entre os europeus sobre aplicar tarifas diretas a países terceiros, a sinalização foi suficiente para aumentar a pressão sobre o petróleo russo. Um dos pontos em discussão no G7 é a redução do teto de preço do barril exportado pela Rússia, hoje fixado em US$ 60, para US$ 50 — mecanismo que influencia a cobertura de seguros marítimos e aumenta os custos de operação.
Diesel russo perde vantagem no Brasil
A diferença de preço entre o diesel russo e o americano já chegou a R$ 0,15 por litro, mas hoje está entre R$ 0,03 e R$ 0,04, segundo a Abicom. O aperto nas sanções deve ampliar a cautela entre grandes importadoras, como Vibra e Ipiranga — ambas com ações em Bolsa e expostas a riscos regulatórios. Já empresas menores seguem comprando o combustível russo por meio de contratos “entregues no porto”, nos quais a responsabilidade logística cabe ao vendedor.
Dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) indicam que a maior parte das importações brasileiras de diesel são feitas por empresas privadas, de diferentes portes. Em 2023, a Petrobras respondeu por um terço das compras externas do produto.
Pressão deve crescer e afetar preços nas bombas
Executivos do setor ouvidos pela Folha afirmam que, diante do avanço das sanções e da possibilidade de retaliações comerciais, as grandes distribuidoras tendem a reduzir ou cessar gradualmente a compra de óleo russo, o que pode levar a um aumento no preço final do combustível ao consumidor.
A movimentação diplomática em curso deve afetar não apenas a geopolítica global, mas também o cotidiano do transporte e da economia brasileira, cada vez mais vinculados a um combustível que está no centro de uma nova guerra de narrativas e sanções.