Substância ajuda a corrigir a acidose metabólica provocada pelo veneno e garante tempo para que o tratamento definitivo seja aplicado
O risco do metanol no organismo
A ingestão de metanol pode desencadear uma reação química devastadora no corpo humano. Ao ser metabolizado, o composto é transformado em formaldeído e, em seguida, em ácido fórmico — substância altamente tóxica que aumenta a acidez do sangue a níveis perigosos. Esse processo, conhecido como acidose metabólica, compromete o funcionamento do cérebro, do coração e de outros órgãos vitais.
“Quando o corpo transforma o metanol em ácido fórmico, o sangue torna-se extremamente ácido — o que pode comprometer o funcionamento do cérebro, do coração e de outros órgãos vitais”, explica o médico Luís Fernando Penna, gerente do pronto-atendimento do Hospital Sírio-Libanês.
Como o bicarbonato atua no tratamento
O bicarbonato de sódio é utilizado como medida emergencial para neutralizar a acidez causada pelo ácido fórmico. Ele não elimina o metanol nem impede sua transformação em substâncias tóxicas, mas cria uma “janela de tempo” essencial para que o paciente receba o tratamento definitivo, como o uso de antídotos (fomepizol ou etanol farmacêutico) e a hemodiálise.
“Ele atua neutralizando essa acidez, permitindo que os órgãos voltem a funcionar em um ambiente mais equilibrado e dando tempo para que o tratamento definitivo seja realizado”, afirma Penna.
De acordo com protocolos do Ministério da Saúde e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), o bicarbonato deve ser administrado por infusão intravenosa em ambiente hospitalar, de forma rápida e controlada, quando o pH do sangue cai abaixo de 7,3.
Equilíbrio químico do sangue
O corpo humano depende de um pH sanguíneo estável, em torno de 7,4, para manter o funcionamento de enzimas e reações vitais. Pequenas alterações já afetam o organismo; quedas mais acentuadas podem levar à falência de órgãos.
O bicarbonato atua como tampão químico, absorvendo parte dessa acidez e devolvendo equilíbrio ao sistema. “Mesmo que não impeça a formação do ácido fórmico, ele reduz a agressão direta às células e ajuda a manter o organismo ativo até que o veneno seja eliminado”, ressalta Penna.
O toxicologista Álvaro Pulchinelli, diretor técnico da Toxicologia Pardini do Grupo Fleury, compara o mecanismo à neutralização da azia: “Todo mundo já percebeu que um medicamento com bicarbonato pode aliviar a queimação estomacal. No caso do metanol, o princípio é semelhante, mas a administração é feita diretamente na veia e sob rígido monitoramento”.
Riscos e limites do tratamento
Embora eficaz em emergências, o bicarbonato de sódio não é isento de riscos. A substância pode elevar a pressão arterial, aumentar a concentração de sais no organismo e desequilibrar minerais como potássio e cálcio, fundamentais para o coração e os músculos.
“Se a dose for exagerada, o corpo pode ficar alcalino demais, o que também é perigoso”, alerta Pulchinelli. Ainda assim, especialistas afirmam que, diante de intoxicações graves por metanol, os riscos são menores do que os causados pela acidose não tratada.
Casos em investigação no Brasil
O Ministério da Saúde confirmou 225 notificações de intoxicação por metanol até 5 de outubro de 2025. Desse total, 16 casos foram confirmados e 209 seguem em investigação. Quinze mortes foram registradas, sendo duas confirmadas e treze em análise.
Segundo a pasta, 85% das ocorrências estão concentradas em São Paulo, onde o governo estadual contabilizou 14 casos confirmados e duas mortes. Outras sete mortes ainda aguardam confirmação.
A Polícia Civil intensificou as operações em adegas e distribuidoras da capital e do interior paulista, resultando em prisões e apreensão de milhares de garrafas adulteradas. As ações têm apoio da Vigilância Sanitária e do Instituto de Criminalística, responsável pela análise das amostras.