Potiguar de 22 anos manteve foco durante anos de preparação até ser aprovada na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
Perseverança e foco em um único objetivo
Desde o ensino médio, Anna Beatriz Veríssimo, de 22 anos, tinha um único propósito: ser médica. Determinada, a potiguar prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por sete vezes até alcançar o resultado desejado. Na edição de 2024, ela conquistou nota mil na redação e garantiu vaga em Medicina na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
“Nunca pensei em desistir, e não tinha uma segunda opção de curso. O que me ajudou a manter o foco foi ter em mente que Medicina representa uma missão de vida. Eu queria ser médica e cuidar de gente, então esse era o meu único caminho”, contou a estudante em entrevista ao Terra.
Anna afirma que faria o exame quantas vezes fossem necessárias até atingir a meta. “Se eu não tivesse passado, na semana seguinte estaria de volta ao cursinho, com mais vontade de conseguir minha vaga. Acredito que a gente nunca perde estudando, e tudo vira bagagem.”
Sete tentativas e uma evolução constante
Natural de Mossoró (RN), cidade onde vive atualmente, Anna começou a fazer o Enem ainda como treineira, em 2018 e 2019. A partir de 2020, passou a disputar de fato uma vaga no ensino superior. Depois de anos de estudo e dedicação, obteve média de 814,94 pontos em 2024.
A jovem relata que, após terminar o ensino médio, teve dificuldades com a base teórica, mas foi aperfeiçoando os estudos em casa. “Em 2022, cheguei a ser aprovada em um concurso temporário do IBGE e passei a conciliar o trabalho com os estudos”, relembra.
No ano seguinte, ganhou uma bolsa de estudos em um cursinho presencial em Fortaleza (CE), para onde se mudou. A rotina era intensa: aulas pela manhã e, à tarde, exercícios, revisões e simulados. “Minha rotina passou a ter um foco maior na prática de exercícios e de simulados, o que me ajudou a desenvolver uma boa estratégia de prova, que me garantiu 83 de 90 acertos no primeiro dia do Enem”, explica.
Estratégia de prova e disciplina nos estudos
A estudante aprendeu que o equilíbrio entre as áreas era essencial para o bom desempenho. “O que me ajudou muito foi intercalar as provas de linguagens, humanas e redação para não cansar a mente e destinar a energia necessária a cada uma dessas áreas”, afirma.
Nos anos anteriores, ela não simulava as condições reais do exame, com tempo cronometrado — algo que considerou determinante para o resultado obtido em 2024.
A emoção da nota mil na redação
Anna Beatriz lembra com emoção o momento em que conferiu o resultado. “Quando vi aquele 1.000, minhas mãos tremeram, chorei muito. Fui mostrar para o meu irmão, dizendo que não podia ser real. Na hora, me ajoelhei e agradeci muito a Deus, em prantos.”
O tema da redação — “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil” — a agradou. “Eu já estava lendo o livro Torto Arado, e foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando vi o tema”, contou.
A estudante destacou que a redação nunca foi o principal foco de sua preparação, já que dedicava mais tempo às disciplinas de Ciências da Natureza e Matemática. Ainda assim, desde 2019, mantinha o hábito de escrever e revisar textos.
“Fui desenvolvendo minha própria estrutura, considerando as correções de erros. Gostava de ler jornais e revistas, que trazem repertórios socioculturais rápidos e atuais. Isso ajuda muito a construir um texto crítico e coerente.”
Dicas para quem vai prestar o Enem
Para os candidatos que ainda buscam a aprovação, Anna recomenda autenticidade:
“O principal é não tentar copiar modelos prontos e usar referências que você realmente conheça, de forma natural. Um texto fluido e coerente agrada muito o corretor do Enem.”
Apoio familiar e motivação
Ao longo de sete anos de tentativas, o apoio da família foi essencial. “Minha família sempre foi meu alicerce: meus pais, tios, avós, todos torciam por mim e me permitiram continuar tentando mesmo anos após o ensino médio”, afirmou.
Ela reforça que o Enem foi sua grande oportunidade:
“Sempre procurei encarar a prova não como algo assustador, mas como uma chance de transformar a minha vida e a da minha família. Se você vai fazer o Enem, acredite no seu potencial e encare com leveza, porque cada dia de estudo é um passo na direção do seu sonho.”
Enem 2025: datas e estrutura das provas
O Enem 2025 será aplicado em 9 e 16 de novembro, com 180 questões objetivas e uma redação dissertativo-argumentativa.
- Primeiro dia (9/11): 45 questões de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; 45 de Ciências Humanas; e a redação. A prova vai das 13h30 às 19h.
- Segundo dia (16/11): 45 questões de Ciências da Natureza e 45 de Matemática, das 13h30 às 18h30.
- Os portões abrem às 12h e fecham às 13h (horário de Brasília).
Nas cidades de Belém, Ananindeua e Marituba (PA), o exame ocorrerá nos dias 30 de novembro e 7 de dezembro, por conta da COP30, conferência da ONU sobre mudanças climáticas que será realizada na região.
Leia a redação nota mil de Anna Beatriz na íntegra
Na obra literária “Torto Arado”, Itamar Vieira retrata uma comunidade quilombola na fazenda Água Negra, na Bahia, relatando aspectos socioculturais relevantes para essa população afrodescendente, como os rituais religiosos e os saberes tradicionais passados pelas gerações. Fora da ficção, é nítido que a sociedade brasileira não valoriza a herança africana presente desde a histórica formação nacional. Essa problemática de invisibilidade decorre da mentalidade colonial eurocêntrica, bem como da lacuna educacional no tocante ao resgate da cultura afro-brasileira.
Dado o exposto, pode-se considerar a persistência de ideais eurocêntricos como empecilho para o reconhecimento do vasto legado africano no país, uma vez que tais formas de conhecimento são estigmatizadas em detrimento da valorização dos costumes hegemônicos dos colonizadores. Tal questão pode ser verificada sob o conceito de “racismo estrutural”, cunhado pelo antropólogo Silvio Almeida, em razão da naturalização do racismo em diversas esferas, a exemplo da linguagem e do uso de expressões “magia negra” para vincular um sentido negativo ao que é negro. Dessa forma, o pensamento de desvalorização da herança africana se materializa no cotidiano, conforme denunciado por Almeida, e distancia a nação do desejo de aprender acerca dos costumes e valores africanos, ao atribuir estereótipos de desqualificação a esses saberes, o que aprofunda o óbice.
Além disso, é notória a falha educacional brasileira no que se refere ao resgate da cultura afro-brasileira, presente em canções, ritmos, festas populares e diversas manifestações importantes para o patrimônio nacional. Nesse viés, embora a Lei de Diretrizes e Base preconize o ensino obrigatório da história africana no ambiente escolar, ainda há uma escassez de programas nesse âmbito, na medida em que observa-se um amplo desconhecimento acerca das grandes personalidades negras ou de suas origens (como o escritor Machado de Assis, muitas vezes representado como branco), bem como do heroísmo dos abolicionistas, a exemplo do advogado Luiz Gama. Dessa maneira, elementos culturais, como a literatura negra, são esquecidos por parte da população, o que destoa da proposta memorialística da LDB.
Portanto, é preciso reconhecer e valorizar a herança africana no Brasil. Para isso, o Governo Federal, em parceria com as secretarias estaduais de educação, deve ampliar as campanhas de valorização da cultura africana, sob um viés afrocentrado, por meio de votação entre deputados e senadores — responsáveis pela aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) —, com a finalidade de combater a visão eurocêntrica presente na sociedade, promovendo o aprendizado da história sob a ótica dos afrodescendentes. Ainda, cabe ao Ministério da Educação, como responsável pela elaboração de políticas públicas de educação, fomentar palestras socioeducativas, ministradas por pedagogos negros, nas instituições escolares, a fim de disseminar o conhecimento acerca do inestimável legado africano na história e na cultura do país. Nessa perspectiva, o panorama diverso destacado em “Torto Arado” será devidamente valorizado pela sociedade brasileira.

Quando vi aquele 1.000 minhas mãos tremeram, chorei muito”, diz Anna Beatriz. Foto: Arquivo pessoal
(Fonte: Portal Terra)

