Um estudo conduzido na Suécia com mais de 18 mil pessoas sugere que o uso de determinados antidepressivos pode intensificar o declínio cognitivo em pacientes idosos com demência.
Os resultados destacam, em particular, que os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), como o escitalopram, estão associados a uma progressão mais rápida da doença.
Pesquisas anteriores já haviam avaliado a segurança do uso desses medicamentos em quadros de neurodegeneração. Enquanto alguns estudos indicavam um efeito benéfico na redução de biomarcadores da demência, os resultados permaneciam inconsistentes.
Vilma Câmara, professora emérita da Universidade Federal Fluminense, explica que a neurodegeneração e a depressão podem estar relacionadas. “Pacientes que apresentam humor deprimido ao longo da vida e não conseguem uma cura podem desenvolver demência na velhice”, afirma. A especialista ressalta ainda que a depressão pode gerar sintomas como esquecimento, e, por isso, antidepressivos são frequentemente prescritos para tratar sintomas iniciais da doença.
O estudo sueco alerta que esses medicamentos são muitas vezes utilizados para tratar sintomas comportamentais e psicológicos da demência, que podem ser confundidos com depressão. Nesses casos, os pesquisadores recomendam cautela, pois o tratamento pode não abordar a causa real dos sintomas.
Os dados foram extraídos de uma coorte que acompanhou quase 19 mil indivíduos com idade média de 78 anos, diagnosticados recentemente com demência e que receberam prescrição de antidepressivos pela primeira vez até seis meses antes do diagnóstico. Os participantes foram monitorados entre 2007 e 2018, sendo submetidos a avaliações cognitivas periódicas, em média, a cada quatro anos.
Entre os participantes da pesquisa, seis em cada dez receberam prescrições de ISRS, tornando essa classe a mais comum entre os antidepressivos analisados. O estudo apontou uma relação significativa entre doses elevadas desses medicamentos e um aumento nos casos de demência grave. Os resultados foram publicados na revista científica BMC Medicine.
Além do declínio cognitivo, os pesquisadores observaram um risco maior de fraturas e de mortalidade entre os pacientes que utilizaram essa classe de antidepressivos. No entanto, os autores enfatizam que os ISRS não podem ser diretamente responsabilizados pelo agravamento da doença apenas com base nos dados analisados.
Os cientistas apontam ainda limitações na pesquisa, como a possibilidade de que o estudo tenha subestimado a influência de outros fatores. A gravidade da demência em cada paciente pode ter contribuído para o declínio cognitivo de maneira independente do uso dos medicamentos.
Para um tratamento eficaz, especialistas reforçam a necessidade de um diagnóstico preciso. No Brasil, a identificação da demência é predominantemente clínica, conforme explica Kleber Francisco Vargas, psiquiatra vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares e ao hospital universitário de Campo Grande. O processo inclui avaliação neuropsicológica e exames complementares, como análises sanguíneas, ressonância magnética do crânio e espectroscopia para detectar proteínas associadas à doença.
O tratamento envolve abordagens medicamentosas e não medicamentosas. Entre os fármacos, os anticolinesterásicos ajudam a retardar a progressão da doença, enquanto os antiamiloides, aprovados recentemente nos Estados Unidos, surgem como uma novidade, embora ainda não estejam disponíveis no Brasil. Paralelamente, medidas como a prática de atividades físicas, alimentação equilibrada e participação em programas de reabilitação cognitiva são fundamentais para preservar a qualidade de vida dos pacientes.
Outras pesquisas também buscaram avaliar a relação entre antidepressivos e demência. Um estudo publicado na revista Alzheimer’s & Dementia, que acompanhou 5,5 mil holandeses por mais de dez anos, não encontrou evidências suficientes para associar o uso dessas drogas ao risco de declínio cognitivo acelerado ou atrofia cerebral. Já uma revisão sistemática e meta-análise realizada por pesquisadores da Alemanha e Suíça analisou mais de 27 mil estudos e concluiu que os antidepressivos não promovem melhora significativa na cognição, qualidade de vida ou funcionalidade de idosos com demência.