Medicamentos em desenvolvimento prometem ampliar opções terapêuticas e reduzir o avanço do declínio cognitivo
O desafio crescente da doença de Alzheimer
A doença de Alzheimer continua a ser um dos maiores desafios da medicina moderna. Com prevalência crescente em sociedades envelhecidas, pesquisadores intensificam esforços para desenvolver métodos capazes de frear o declínio cognitivo característico da condição. Em 2024, os Estados Unidos investiram US$ 3,8 bilhões exclusivamente em pesquisas voltadas ao diagnóstico da doença, refletindo a urgência de soluções mais eficazes.
Novos medicamentos: um avanço após décadas
Há dez anos, a perspectiva para tratamentos eficazes era muito mais limitada. Nos últimos cinco anos, entretanto, o campo registrou progressos significativos. Em 2023, os Estados Unidos aprovaram o lecanemabe, comercializado como Leqembi pelas farmacêuticas Eisai e Biogen, o primeiro medicamento capaz de retardar, ainda que de forma modesta, a evolução da doença.
No ano seguinte, o donanemabe, vendido como Kisunla pela Eli Lilly, também recebeu aprovação e foi autorizado no Brasil em abril, com início da aplicação no mês seguinte. Ambas as drogas integram a classe das terapias antiamiloide, que utilizam anticorpos monoclonais para remover a proteína beta-amiloide acumulada no cérebro, associada à formação de placas que prejudicam o sistema nervoso.
Apesar de removerem essas placas, os efeitos sobre o declínio cognitivo têm sido limitados. Estudos com donanemabe indicam redução de até 35% na progressão da doença, o que corresponde a um atraso médio de apenas 4,4 meses na perda de funções cognitivas ao longo de 18 meses de tratamento.
— Placas amiloides se formam por 10 a 20 anos, inflamam e levam ao acúmulo da proteína tau, responsável pela morte de neurônios e pelos sintomas. As novas drogas removem as placas, mas o declínio cognitivo persiste — explica Wyllians Borelli, coordenador de pesquisa do Centro da Memória do Hospital Moinhos de Vento e professor da UFRGS.
Limitações e riscos das terapias atuais
Além da eficácia limitada, o donanemabe apresenta custos elevados e efeitos colaterais significativos. No Brasil, cada ampola custa cerca de R$ 6 mil, sendo necessárias quatro por mês, totalizando mais de R$ 200 mil por ano. A cobertura por planos de saúde ou pelo SUS ainda não é prevista. Em estudos clínicos, foram relatados casos de sangramentos e inchaço cerebral, incluindo óbitos.
— Os efeitos graves ocorrem em menos de 5% dos pacientes, exigindo acompanhamento rigoroso com ressonâncias periódicas e avaliações médicas detalhadas. O tratamento é indicado apenas para pacientes em fase leve da doença, muitas vezes com rastreamento genético — afirma Ivan Okamoto, neurologista do Núcleo de Excelência em Memória do Einstein (Nemo).
Novas terapias e perspectivas futuras
O futuro do tratamento do Alzheimer deve incluir novos medicamentos, ampliando o arsenal terapêutico. Um levantamento da Universidade de Nevada indica que 138 drogas estão em testes clínicos em 2025. Entre elas, destaca-se o trontinemab, da Roche, uma versão antiamiloide que promete eliminar placas com maior rapidez e menor incidência de efeitos colaterais, graças a uma tecnologia que facilita a passagem pela barreira hematoencefálica.
Medicamentos voltados à remoção da proteína tau, como BIIB080 (Biogen) e etalanetug (Eisai), também avançam em testes clínicos, demonstrando potencial para reduzir a toxicidade neuronal associada à doença.
— Espera-se que novas formas de administração, como aplicações subcutâneas, tornem o tratamento mais acessível e menos invasivo, inclusive com possibilidade de uso domiciliar — explica Okamoto.
Além disso, vacinas terapêuticas e abordagens genéticas estão sendo desenvolvidas para estimular o organismo a eliminar as proteínas causadoras da doença, oferecendo alternativas para pacientes que não respondem aos medicamentos antiamiloide.
Outro foco de investigação é a neuroinflamação, com destaque para a semaglutida, princípio ativo do Ozempic e do Wegovy, que já se encontra em fase avançada de testes. A droga atua modulando a resposta inflamatória no cérebro de forma indireta, potencialmente reduzindo o processo degenerativo.
— Se os resultados forem positivos, teremos um tratamento seguro, acessível e de grande interesse para famílias e governos — destaca Borelli.
Tratamento multidisciplinar: o caminho mais promissor
Especialistas defendem que o futuro do combate ao Alzheimer não dependerá de um único medicamento, mas de combinações de terapias atuando em diferentes mecanismos da doença.
— Os anticorpos antiamiloide abriram novas possibilidades, mas a ideia é interromper o processo da doença com múltiplas abordagens. Não haverá uma “pílula mágica”, mas sim a associação de tratamentos inovadores — afirma Okamoto.
O diagnóstico também evoluiu, passando de avaliações clínicas para testes que detectam beta-amiloide e tau de forma menos invasiva, permitindo iniciar terapias precocemente, quando os efeitos são mais significativos.
— As terapias terão impacto maior quanto mais cedo forem aplicadas, mas o diagnóstico ainda enfrenta desafios — alerta Costa.
Para casos avançados, a cura permanece um objetivo distante, pois a perda de neurônios causada pelo Alzheimer ainda não pode ser revertida.
— Recuperar neurônios mortos é atualmente impossível. Pesquisas avançam, mas permanecem em fase experimental, muitas vezes apenas em modelos animais — conclui Borelli.
( Com OGLOBO)