Ferramenta pode atingir big techs e instituições financeiras americanas, em resposta a novas tarifas propostas por Trump
Com Donald Trump de volta à Casa Branca e disposto a retomar sua política comercial agressiva, a União Europeia se vê diante de um dilema estratégico: como responder ao novo ciclo de tarifas americanas sem comprometer ainda mais uma economia fragilizada e sem provocar uma escalada difícil de controlar? A resposta pode estar na adoção de um instrumento legal pouco conhecido, mas potencialmente poderoso — o chamado instrumento anticoerção, que ganha força nos bastidores de Bruxelas como possível resposta à investida americana.
Trump já anunciou a reativação de tarifas sobre aço, alumínio e componentes da indústria automotiva, resgatando medidas que marcaram seu primeiro mandato. À época, a retaliação europeia foi pontual, com sobretaxas sobre produtos icônicos dos Estados Unidos, como motocicletas Harley-Davidson e o tradicional bourbon do Kentucky. Agora, no entanto, o bloco cogita uma resposta mais contundente, com efeitos de longo alcance sobre setores vitais da economia americana, como as big techs e os bancos de Wall Street.
Criado em 2023 como uma reação ao uso de coerção econômica por parte da China, o instrumento anticoerção jamais foi utilizado. Trata-se de uma ferramenta jurídica que autoriza a União Europeia a adotar medidas comerciais unilaterais contra países que tentem influenciar suas decisões políticas por meio de pressões econômicas. Em outras palavras, uma retaliação legalizada — ou, como já se diz nos corredores da Comissão Europeia, uma “bazuca” que pode ser colocada sobre a mesa de negociações.
Os cenários em análise incluem restrições ao acesso de instituições financeiras dos EUA ao mercado de compras públicas europeu — que movimenta cerca de € 2 trilhões por ano — e limitações aos volumosos investimentos do bloco em empresas americanas, estimados em € 300 bilhões anuais. Outra possibilidade envolve o endurecimento da regulamentação tributária e digital sobre as grandes plataformas tecnológicas dos Estados Unidos.
Mais do que medidas práticas, essas propostas cumprem uma função simbólica: sinalizam que a Europa não aceitará passivamente uma nova ofensiva tarifária de Washington. “A meu ver, essa grande bazuca deve funcionar, antes de tudo, como instrumento de dissuasão”, disse Fabrizio Pagani, sócio do banco de investimentos Vitale e ex-alto funcionário do governo italiano. A lógica é clara: mostrar força para evitar o confronto.
Mas nem todos estão convencidos de que uma postura mais agressiva trará os efeitos desejados. Economistas alertam para os riscos de que esse tipo de escalada piore o ambiente econômico global. “Assim como as tarifas sobre bens, tarifas sobre serviços atingem consumidores e empresas diretamente”, afirma Joachim Klement, estrategista do banco Panmure Liberum. “É uma decisão que pode agravar o cenário econômico e alimentar ainda mais a estagflação.”
De fato, embora a UE registre superávit comercial em bens, a balança de serviços com os Estados Unidos é desfavorável em aproximadamente € 110 bilhões. Explorar essa assimetria como instrumento de pressão é uma jogada de risco: pode render barganha política, mas também ameaçar setores sensíveis da economia europeia.
A análise política, por sua vez, sugere que a União Europeia tenta evitar a repetição da vulnerabilidade demonstrada durante o primeiro mandato de Trump. Desta vez, há um esforço mais coordenado para usar os instrumentos disponíveis e mostrar coesão. Ainda assim, não está claro se o bloco terá unidade suficiente para aplicar medidas tão abrangentes e potencialmente danosas à relação transatlântica.
No tabuleiro da política comercial global, onde pressões econômicas se confundem com sinalizações geopolíticas, a “bazuca” europeia talvez não precise ser disparada. Mas seu simples posicionamento à vista pode ser suficiente para alterar o curso das negociações com a Casa Branca. Tudo dependerá do quanto Trump está disposto a escalar — e do quanto a Europa está preparada para ir além da retórica.