Reação do Senado à liminar de Gilmar Mendes amplia tensão institucional e expõe disputa histórica por prerrogativas entre Judiciário, Legislativo e Executivo
A relação entre STF, Congresso Nacional e Palácio do Planalto atingiu um de seus pontos mais sensíveis nos últimos anos, após decisão do ministro Gilmar Mendes que restringiu a possibilidade de abertura de processos de impeachment contra integrantes da Suprema Corte. A medida provocou forte reação no Senado e provocou desgaste direto com o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), até recentemente um dos principais interlocutores do Judiciário no Legislativo.
Discurso no plenário e defesa das prerrogativas do Senado
Em pronunciamento firme no plenário, Alcolumbre cobrou respeito às competências do Congresso e anunciou que pretende trabalhar pela aprovação de uma nova lei sobre crimes de responsabilidade de ministros do STF, além de defender mudanças constitucionais que revertam os efeitos da decisão. Segundo ele, a definição de quem pode iniciar pedidos de impeachment é uma atribuição clara do legislador.
O senador lembrou que, durante seu primeiro mandato à frente da Casa, em 2019, enfrentou críticas de parlamentares alinhados à direita por rejeitar a instalação da chamada CPI da Lava Toga, que tinha como alvo ministros do Supremo. Na ocasião, disse, a decisão buscou preservar o equilíbrio entre os Poderes. “Não me falta coragem para fazer o que for necessário para proteger o Legislativo brasileiro”, afirmou, em discurso que recebeu apoio de senadores da direita, do centro e da esquerda.
Conflitos acumulados ampliam atrito institucional
O episódio se soma a uma série de embates recentes entre Legislativo e Judiciário. Na Câmara dos Deputados, há sinais de resistência ao cumprimento da condenação da deputada Carla Zambelli (PL-SP), presa na Itália, com parlamentares defendendo a preservação de seu mandato. O relator do caso, deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), questionou a existência de provas no processo e criticou a atuação do STF.
No mesmo contexto, aliados do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmam que a perda do mandato do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), determinada pelo Supremo, deve ser submetida inicialmente à Comissão de Constituição e Justiça antes de qualquer deliberação em plenário.
Indicações ao STF e embate com o Planalto
O Senado também entrou em rota de colisão com o Executivo ao discutir a rejeição de um indicado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o STF. Parte dos senadores defendeu que o nome escolhido fosse o do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o que levou o governo a adiar a indicação. Alcolumbre reagiu acusando o Planalto de tentar interferir no calendário do Senado.
Orçamento e poder político no centro da disputa
A disputa por espaço entre os Poderes não é nova. Há anos, Congresso e Executivo divergem sobre o controle do Orçamento da União e sobre a execução dos recursos públicos. O confronto se intensificou em períodos de instabilidade política, como nos governos de Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro e na atual gestão de Lula, quando o Legislativo ampliou seu controle sobre parcelas significativas do orçamento.
Decisão de Gilmar Mendes e mudança nas regras do impeachment
A liminar que causou reação no Senado foi assinada por Gilmar Mendes, um dos ministros com maior interlocução com o meio político. Ele considerou inconstitucional parte da Lei do Impeachment, de 1950, ao estabelecer que apenas o procurador-geral da República pode solicitar o afastamento de ministros do STF. Atualmente, o cargo é ocupado por Paulo Gonet.
Segundo o ministro, a norma anterior incentivava denúncias com motivação político-partidária, sem fundamento jurídico consistente. Para Mendes, somente o chefe do Ministério Público da União tem condições de avaliar, sob critérios estritamente legais, a existência de elementos que justifiquem um processo de impeachment.
Quórum mais rígido e articulação política
Além de restringir a legitimidade para apresentação dos pedidos, a decisão elevou o quórum necessário para aprovar o afastamento de um ministro. Antes, bastava maioria simples dos votantes; agora, serão exigidos 54 votos dos 81 senadores — o mesmo número requerido para afastar o presidente da República.
A medida também teve pano de fundo político. A ação que resultou na decisão foi apresentada pelo partido Solidariedade, presidido pelo deputado Paulinho da Força (SP), aliado próximo de ministros do STF. O processo original tratava de regras eleitorais, tema sem relação direta com o impeachment.
Reação da oposição e próximos passos
Nos bastidores, senadores relatam incômodo com a dependência do aval do procurador-geral da República para qualquer processo contra magistrados. O clima de desconfiança em relação ao Supremo se intensifica com a existência de investigações que envolvem parlamentares e o uso de emendas.
A decisão foi tomada por liminar e ainda será analisada pelo plenário do STF em sessão virtual prevista entre os dias 12 e 19, período que coincide com o início do recesso do Congresso, o que tende a reduzir reações imediatas.
Parlamentares da oposição articulam uma proposta de emenda à Constituição para restabelecer a possibilidade de que qualquer cidadão apresente pedidos de impeachment de ministros do STF. A coleta de assinaturas ocorre em ritmo acelerado, mas o trâmite da proposta deve ser longo e enfrentar forte resistência política.


