Escalada do endividamento pressiona governos, aumenta risco fiscal e desafia emergentes como o Brasil
Endividamento mundial em ritmo acelerado
A dívida pública global está prestes a igualar o tamanho do PIB mundial, reacendendo preocupações que marcaram o período pós-pandemia, quando governos recorreram a empréstimos volumosos para conter a crise sanitária. A relação entre dívida e PIB, principal termômetro da solvência de um país, voltou a crescer em ritmo preocupante e já pressiona economias avançadas e emergentes.
Dados do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), que reúne cerca de 400 instituições financeiras, mostram que o estoque global de dívidas atingiu US$ 101,3 trilhões ao fim do segundo trimestre deste ano. O avanço de 9% em um ano elevou o endividamento para 97,6% do PIB mundial, aproximando-se do pico de 2020.
Governos encurtam títulos e elevam vulnerabilidade
Para lidar com déficits crescentes, várias das maiores economias passaram a reduzir o prazo dos títulos emitidos. A estratégia diminui o custo imediato com juros, mas aumenta a exposição a mudanças bruscas no humor dos investidores — que hoje já demonstram maior aversão ao risco.
Com dívidas crescentes, investidores passam a exigir prêmios maiores. O cenário é particularmente sensível para emergentes como o Brasil, que precisam oferecer taxas mais altas para competir com países considerados mais seguros.
Pressões nas principais economias
Entre os países que mais impulsionaram o crescimento da dívida global estão China, França, Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e Japão. O caso americano chama atenção: mesmo com o status de porto seguro, a dívida federal deve saltar para 145% do PIB até 2050, caso as políticas atuais sejam mantidas.
O Tesouro dos EUA calcula um déficit de 5,9% do PIB para o ano fiscal de 2025, reforçando a trajetória de desequilíbrio fiscal.
Endividamento avança no Brasil
No Brasil, o aumento supera 6 pontos percentuais em pouco mais de dois anos e meio de governo Lula. Projeções indicam que o avanço pode chegar a 9 pontos percentuais até 2026, quadro que muitos economistas classificam como insustentável.
Pelo critério do FMI, que contabiliza títulos sob custódia do Banco Central, a dívida bruta brasileira alcançou 89% do PIB no segundo trimestre. É a maior entre os emergentes, atrás apenas da China (93,4%). Pelos cálculos do BC, que exclui esses papéis, o indicador estava em 78,1% em setembro.
Déficits persistentes alimentam a crise
Os países que ampliam mais rapidamente seus passivos têm um ponto em comum: déficits fiscais robustos. Esses desequilíbrios são impulsionados por políticas de estímulo econômico — como no caso brasileiro —, crescente gasto com saúde devido ao envelhecimento populacional e investimentos em defesa.
O IIF destaca que movimentos populistas em várias nações têm barrado ajustes considerados impopulares, o que agrava o quadro fiscal. Como resultado, a necessidade de financiamento global já supera a observada durante a pandemia, quando a dívida mundial bateu 105% do PIB antes de recuar temporariamente.
Alertas internacionais
Pablo Hernández de Cos, presidente do Banco de Compensações Internacionais (BIS), afirmou recentemente estar “angustiado” com o avanço desordenado das dívidas soberanas. O BIS já havia alertado, antes da crise de 2008, para riscos no endividamento privado — e não foi levado a sério.
O FMI projeta que, em um cenário adverso, a dívida pública global pode atingir 117% do PIB em 2027, patamar próximo ao pós-Segunda Guerra. A estimativa para 1948, ainda que imprecisa, gira em torno de 132% do PIB.
Riscos para o Brasil
Para Marcello Estevão, diretor-gerente e economista-chefe do IIF, não há sinais de reversão na tendência global de alta. No caso brasileiro, ele aponta que cortes adicionais na taxa Selic dependerão da evolução fiscal. “Uma trajetória ruim da dívida exige prêmio de risco mais alto para atrair compradores”, afirma.
Debate sobre limites da dívida
Economistas heterodoxos argumentam que o Brasil não deveria se preocupar excessivamente com a própria dívida, citando países como Japão (214,1% do PIB) e economias avançadas com média de 112,5%.
Críticos dessa visão lembram que países ricos podem elevar impostos em caso de emergência — algo politicamente mais difícil no Brasil. Outro ponto, como explica o economista Samuel Pessôa, da FGV-Ibre, é que essas nações têm taxas de poupança superiores, o que leva o governo a ocupar o espaço deixado por famílias e empresas na demanda agregada.



