Relatório da agência de inteligência destaca desinformação, avanço da inteligência artificial e radicalização religiosa como ameaças à estabilidade democrática
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) identifica a interferência estrangeira e a atuação do crime organizado como os principais riscos ao processo eleitoral de 2026. O alerta consta do relatório “Desafios da Inteligência — Edição 2026”, documento em que a agência apresenta sua avaliação sobre ameaças diretas e indiretas à segurança institucional do país no próximo ano.
Além desses fatores, o levantamento aponta o uso de tecnologias de inteligência artificial voltadas à desinformação e o avanço da radicalização religiosa como vetores capazes de corroer a confiança pública e fragilizar as instituições democráticas.
Democracia sob pressão digital
Segundo a Abin, o Brasil convive, desde 2018, com a circulação recorrente de conteúdos falsos sobre o sistema eleitoral, sobretudo em ambientes digitais. Esse fenômeno, avalia o órgão, estimulou mobilizações que colocaram em dúvida a legitimidade do processo democrático e culminaram nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Na ocasião, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. O ex-mandatário acabou condenado a 27 anos e três meses de prisão, sob a acusação de liderar uma tentativa de ruptura institucional.
À luz desse histórico, a agência projeta que o próximo pleito ocorrerá em um ambiente ainda mais complexo. Para a Abin, a possibilidade de ingerência externa “não pode ser subestimada” e pode se materializar por meio de campanhas sofisticadas de desinformação, ataques cibernéticos à infraestrutura eleitoral ou financiamento encoberto de grupos e movimentos com viés antidemocrático.
Interferência internacional e soberania
O relatório destaca que a articulação transnacional de grupos extremistas ampliou a escala e a sofisticação dessas ameaças. A troca de estratégias de propaganda e manipulação em fóruns internacionais, segundo a agência, gera ações coordenadas que afetam diretamente a soberania nacional.
“Atores estatais ou não estatais podem ter incentivos relevantes para promover a desestabilização do processo eleitoral, minando a confiança nas instituições e influenciando resultados a partir de interesses geopolíticos ou econômicos próprios”, afirma o documento.
Embora não mencione países específicos, integrantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstram preocupação com posturas adotadas por lideranças estrangeiras. Nos Estados Unidos, o atual presidente Donald Trump já manifestou apoio público a candidatos em eleições de outros países, condicionando inclusive ajuda internacional a vitórias políticas alinhadas aos seus interesses.
O tema também apareceu em declarações recentes de Lula contra a influência de grandes empresários na política global, num discurso interpretado como referência a Elon Musk, proprietário da rede social X.
Crime organizado e controle do voto
Outro ponto sensível levantado pela Abin diz respeito à presença de milícias e facções criminosas em áreas com baixa presença do Estado. Nessas regiões, grupos ilegais exercem controle territorial e interferem diretamente no comportamento eleitoral das comunidades.
De acordo com o relatório, essa influência vai desde o financiamento irregular de campanhas até a coação de eleitores e a imposição de candidaturas alinhadas aos interesses do crime organizado. Em situações extremas, registra a agência, há relatos de eliminação física de adversários políticos.
Inteligência artificial e desinformação
A deslegitimação sistemática das instituições democráticas aparece como tendência agravada pela incorporação de novas tecnologias. A Abin chama atenção para o impacto da inteligência artificial generativa e dos chamados deepfakes, que permitem a criação de conteúdos audiovisuais hiper-realistas em larga escala e a baixo custo.
Essas ferramentas, afirma o documento, podem ser utilizadas para forjar falas de candidatos, simular discursos inexistentes ou distorcer declarações reais, com alto potencial de engano. A polarização ideológica e a instrumentalização de crenças religiosas funcionariam como catalisadores desse processo, dificultando o diálogo democrático.
Outros desafios estratégicos
Além do cenário eleitoral, o relatório elenca outros desafios para 2026. Entre eles está a transição para a criptografia pós-quântica, considerada essencial para proteger transações financeiras, comunicações oficiais e dados sensíveis do Estado.
A Abin também alerta para o crescimento dos ataques cibernéticos autônomos, impulsionados por agentes baseados em inteligência artificial. O avanço dos grandes modelos de linguagem, segundo a agência, elevou o patamar de risco ao permitir que sistemas planejem e executem ataques de forma independente, ampliando as vulnerabilidades da infraestrutura digital brasileira.



