Chamas atingem torres habitacionais densamente povoadas, mobilizam operação de resgate por mais de 24 horas e levam à prisão de responsáveis por obras de reforma
Os bombeiros seguem nesta quinta-feira (27) as buscas por centenas de pessoas dadas como desaparecidas em um grande complexo residencial de Hong Kong, atingido por um incêndio de grandes proporções que já deixou ao menos 65 mortos, segundo números oficiais divulgados ao longo do dia. Parte dos edifícios permanecia em chamas mais de 24 horas após o início do fogo, enquanto autoridades alertam que a operação pode se estender até a noite.
Combate às chamas ainda em andamento
O incêndio começou na tarde de quarta-feira em um conjunto com oito torres, que reúne cerca de 2 mil apartamentos e abriga mais de 4.600 moradores. Localizado no Wang Fuk Court, no distrito de Tai Po, ao norte da cidade, o complexo ainda expelia fumaça densa na manhã desta quinta-feira.
De acordo com as autoridades, o fogo se alastrou rapidamente e atingiu sete dos oito prédios. Até a tarde desta quinta, quatro edifícios haviam tido as chamas totalmente extintas. Nas três torres restantes, o incêndio seguia ativo, porém sob controle. O Corpo de Bombeiros informou que as condições de vento e a estrutura dos prédios dificultaram o avanço das equipes.
Mobilização solidária da população
Enquanto o trabalho de resgate seguia, moradores e voluntários se concentraram em ruas e áreas públicas próximas para oferecer apoio aos desabrigados e aos bombeiros. Abrigos improvisados distribuíam alimentos, roupas e informações sobre desaparecidos.
“É comovente ver como as pessoas se unem quando alguém precisa”, afirmou Stone Ngai, um dos voluntários que ajudavam na organização dos pontos de apoio. Segundo ele, a mobilização reuniu cidadãos de diferentes regiões da cidade.
Prisões e suspeita de negligência
A polícia anunciou na manhã desta quinta-feira a prisão de três homens ligados a uma construtora responsável por obras no complexo. Os detidos — diretores e um consultor de engenharia — são investigados por homicídio culposo, sob suspeita de negligência grave durante serviços de manutenção e reforma.
Segundo os investigadores, materiais inflamáveis teriam sido deixados na área das obras, o que contribuiu para que o fogo se espalhasse rapidamente e fugisse do controle. A polícia também realizou buscas no escritório da Prestige Construction & Engineering Company, recolhendo documentos que podem servir como prova.
As autoridades apuram ainda se os revestimentos das paredes externas atendiam aos padrões de resistência ao fogo. Em uma das torres, foi encontrado isopor preso às janelas próximas aos halls dos elevadores — material altamente inflamável, cuja presença não teve finalidade esclarecida.
Governo anuncia fiscalização imediata
Diante da gravidade do desastre, o chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, afirmou que todos os conjuntos habitacionais que passam por grandes obras serão imediatamente inspecionados para verificar o cumprimento das normas de segurança.
Especialistas em incêndios classificaram o episódio como alarmante. Para Alex Webb, engenheiro de segurança contra incêndio da CSIRO Infrastructure Technologies, o caso foge ao padrão esperado. “Em geral, edifícios são projetados para evitar que o fogo se espalhe de uma estrutura para outra”, explicou.
Incêndio teria começado em andaimes externos
As investigações preliminares indicam que o fogo teve início em um andaime externo de uma torre de 32 andares. As chamas se propagaram pelos andaimes de bambu e pelas telas de proteção da construção, alcançando o interior do prédio e, em seguida, os edifícios vizinhos, possivelmente impulsionadas pelo vento.
Embora tradicionais e amplamente utilizados em Hong Kong, os andaimes de bambu vêm sendo alvo de questionamentos. O governo local já havia anunciado, no início do ano, planos para reduzir gradualmente seu uso em obras públicas por razões de segurança.
Relatos de moradores e vítimas
Moradores relataram falhas nos sistemas de alerta. Alguns afirmaram não ter ouvido alarmes de incêndio e disseram ter percorrido os corredores batendo em portas para avisar vizinhos sobre o perigo iminente.
Lawrence Lee, um dos residentes, aguardava notícias da esposa, que ficou presa no apartamento após corredores e escadas serem tomados pela fumaça. Já Wong Sik-kam contou que seu filho integrava uma das equipes de bombeiros enviadas ao local, acreditando inicialmente que se tratava de um incêndio comum.
Mortos, feridos e desaparecidos
Entre as vítimas fatais está um bombeiro de 37 anos, encontrado com queimaduras no rosto após perder contato com a equipe, segundo o diretor do Corpo de Bombeiros, Andy Yeung. Ao todo, 61 pessoas estavam hospitalizadas, sendo 15 em estado crítico.
O governo local informou inicialmente que 279 pessoas estavam desaparecidas, número que vem sendo revisado à medida que novos contatos são estabelecidos. Mais de 900 moradores buscaram abrigo temporário durante a madrugada. O consulado da Indonésia confirmou que dois cidadãos indonésios, empregados domésticos migrantes, estão entre os mortos.
Repercussão e histórico
O presidente da China, Xi Jinping, manifestou condolências às vítimas e prestou homenagem ao bombeiro morto em serviço.
Considerado o pior incêndio a atingir o centro financeiro de Hong Kong em décadas, o desastre reacende o debate sobre segurança em uma das cidades mais densamente povoadas do mundo. Embora tragédias do tipo fossem mais comuns no passado, especialistas destacam que episódios dessa magnitude haviam se tornado raros após o endurecimento das normas de segurança nos últimos anos.
