Receita Federal e órgãos de controle apontam prejuízo estimado em R$ 26 bilhões e bloqueiam bens de empresas ligadas à antiga Refit, dona da refinaria de Manguinhos
O Grupo Fit — novo nome da antiga Refit, controladora da refinaria de Manguinhos — e o empresário e advogado Ricardo Magro entraram na mira da Operação Poço de Lobato, deflagrada na manhã desta quinta-feira (27). A ofensiva apura a prática de crimes como sonegação fiscal, fraude aduaneira e ocultação de patrimônio, com impacto bilionário aos cofres públicos.
De acordo com os investigadores, o conjunto de irregularidades teria provocado um prejuízo estimado em R$ 26 bilhões às receitas federal e estaduais. Até o momento, bens avaliados em aproximadamente R$ 10 bilhões foram bloqueados de pessoas físicas e jurídicas associadas ao grupo econômico.
A assessoria de Ricardo Magro não se manifestou. Em entrevista concedida à Folha em setembro, o empresário afirmou que suas empresas não praticam sonegação.
Origem e foco da operação
Batizada de Operação Poço de Lobato, a investigação faz referência ao primeiro poço de petróleo do Brasil, localizado no bairro de Lobato, em Salvador, cuja exploração se iniciou em 1939. O nome remete ao escritor Monteiro Lobato, defensor histórico da exploração do petróleo no país.
Segundo a Receita Federal, o Grupo Fit é apontado como o maior devedor contumaz do Brasil, classificação atribuída a empresas que deixam de recolher tributos de forma reiterada e deliberada. Os débitos acumulados atingiriam a marca de R$ 26 bilhões.
Fraude na importação de combustíveis
Entre os principais eixos da investigação está a suspeita de fraude aduaneira na importação de combustíveis. Conforme apurado, cargas de gasolina teriam sido declaradas como derivados destinados à industrialização, o que reduziria significativamente a carga tributária incidente.
Entre 2020 e 2025, o volume de combustíveis importados nessas condições ultrapassaria R$ 32 bilhões, segundo dados reunidos pelos auditores fiscais.
Estrutura empresarial para ocultação de recursos
Os investigadores identificaram uma complexa rede de empresas sobrepostas, composta por holdings, offshores, operadoras financeiras e dezenas de fundos de investimento. O objetivo seria pulverizar a movimentação financeira e dificultar o rastreamento do dinheiro.
Apenas 17 fundos de investimento mapeados concentram patrimônio líquido superior a R$ 8 bilhões, muitos deles, de acordo com a apuração, com apenas um único cotista.

Uso de instituições financeiras e contas-bolsão
A investigação também aponta o uso de uma instituição financeira considerada o núcleo do esquema, responsável por coordenar diversas empresas vinculadas, que mantinham ao menos 47 contas bancárias.
As chamadas contas-bolsão teriam sido utilizadas para centralizar movimentações financeiras e embaralhar a identificação dos reais responsáveis por cada transação.
Estruturas internacionais e remessas ao exterior
Outro foco relevante da apuração envolve a chamada “blindagem internacional”. Mais de 15 offshores teriam sido constituídas nos Estados Unidos, com destaque para estruturas sediadas em Delaware, estado conhecido por regras que facilitam o anonimato societário e oferecem vantagens fiscais.
Segundo os investigadores, aportes de até R$ 1,2 bilhão foram enviados ao exterior sob a forma de contratos que, posteriormente, retornariam ao Brasil disfarçados como investimentos regulares.
Papel do sistema financeiro no esquema
A Receita Federal afirma que administradoras de fundos e instituições financeiras podem ter colaborado com a engrenagem fraudulenta ao omitir informações e permitir transações em cascata, dificultando a identificação dos beneficiários finais dos recursos.
De acordo com a investigação, o dinheiro de origem ilícita era reinserido na economia por meio de investimentos em empresas, imóveis e outros ativos, conferindo aparência de legalidade às operações.
O que caracteriza o devedor contumaz
É classificado como devedor contumaz o contribuinte que pratica inadimplência tributária substancial, reiterada e sem justificativa, comprometendo a livre concorrência. O Congresso Nacional analisa um projeto de lei que busca tipificar essa conduta e instituir o Código de Defesa do Contribuinte.
A proposta define como inadimplente, em âmbito federal, quem acumular créditos tributários irregulares iguais ou superiores a R$ 15 milhões e em valor superior ao patrimônio conhecido do devedor. O texto já foi aprovado pelo Senado e tramita na Câmara dos Deputados em regime de urgência.
Segundo dados das frentes parlamentares envolvidas no debate, cerca de 1.200 CNPJs são hoje classificados como devedores contumazes no Brasil, acumulando mais de R$ 200 bilhões em dívidas. A estimativa é de que até R$ 30 bilhões possam ser recuperados anualmente com a aprovação da proposta.
Cumprimento de mandados e alcance da ação
Nesta quinta-feira, as autoridades cumprem mandados de busca e apreensão em cerca de 190 endereços, envolvendo pessoas físicas e empresas. A ação foi estruturada para permitir a coleta de novas provas em sedes e filiais das companhias investigadas.
Embora o núcleo do grupo esteja sediado no Rio de Janeiro, os investigadores afirmam que a atuação se estende por praticamente todo o país.
Força-tarefa envolvida
A operação é resultado de uma ação conjunta entre Receita Federal, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e os Comitês Interinstitucionais de Recuperação de Ativos (Ciras), que reúnem Ministérios Públicos, secretarias estaduais da Fazenda e forças de segurança.
A ofensiva conta ainda com apoio das polícias Civil e Militar e dos Gaecos, grupos especializados no combate ao crime organizado. As diligências ocorrem no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Maranhão e no Distrito Federal. Em São Paulo, também participa a Secretaria Municipal da Fazenda.


