Empresas enfrentam escassez de mão de obra e ampliam busca por temporários no fim do ano
Varejo abre milhares de vagas, enquanto trabalhadores ganham poder de escolha em cenário de pleno emprego
Com a taxa de desocupação no menor nível desde 2012, o mercado de trabalho brasileiro atravessa uma fase de inversão de forças. A demanda por profissionais supera a oferta, e empresas enfrentam dificuldades crescentes para preencher vagas e reter talentos. No varejo, a pressão é ainda maior com a aproximação da Black Friday e das festas de fim de ano, período em que a procura por temporários dispara.
Escassez de profissionais e corrida por contratações
Desde outubro, grandes redes do comércio físico e digital intensificaram a busca por trabalhadores. A Americanas abriu 5 mil vagas; Amazon e Centauro, 1 mil cada; Casas Bahia, 800; Cacau Show, 500; Giga Atacado, 200; e até a administradora de consórcios Embracon oferta 168 oportunidades. Apenas entre essas empresas, são quase 9 mil postos imediatos — número que deve seguir crescendo até dezembro.
O movimento ocorre em meio à taxa de desemprego de 5,6% no terceiro trimestre de 2025, menor patamar em mais de uma década. Embora o indicador sinalize estabilidade econômica, também expõe um novo problema: a dificuldade estrutural de encontrar mão de obra qualificada. Fatores demográficos — como queda da natalidade e envelhecimento populacional — se somam à migração de profissionais para setores de melhor remuneração, esvaziando segmentos como o comércio.
Outro desafio é atrair jovens, que buscam rotinas mais flexíveis ou preferem empreender, impulsionados também por campanhas “anti-CLT” nas redes sociais. Empresários de setores como o de panificação, que registra déficit de 55 mil postos, afirmam que programas de transferência de renda influenciam no comportamento dos candidatos, que chegam a “entrevistar” as empresas ou sequer comparecem a seleções.
Trabalhador mais valorizado e empresas sob pressão
A transformação amplia o poder de barganha do trabalhador, afirma Édio Bertoldi, vice-presidente do Conselho Deliberativo da ABRH-Brasil. “É um momento histórico. Há quatro gerações atuando simultaneamente no mercado e isso nunca havia acontecido”, afirma. Com o mercado aquecido, explica, os profissionais escolhem vagas conforme suas prioridades: proximidade, flexibilidade ou melhores benefícios.
Segundo ele, muitas empresas ainda operam sob modelos rígidos, o que compromete a competitividade. “Quem não revisitar paradigmas está perdendo competitividade na atração e retenção de talentos.” Bertoldi também aponta disparidades regionais: enquanto Santa Catarina registra desemprego de 2,2%, Pernambuco ultrapassa 10%. Entre jovens de 18 a 23 anos, o índice também supera 10%, reflexo da baixa qualificação técnica.
Temporários ganham relevância no fim do ano
A contratação temporária, historicamente vista com preconceito, ganha força como alternativa estratégica neste cenário. Segundo a Associação Brasileira do Trabalho Temporário (Asserttem), 565 mil vagas temporárias devem ser abertas no último trimestre de 2025 — alta de 20% em relação ao ano anterior.
Apesar do aumento, a projeção ainda é cautelosa, afirma Alexandre Leite Lopes, presidente da entidade, citando a insegurança econômica pós-pandemia e a dificuldade generalizada de contratação. O comércio, por exemplo, responde por apenas 15% das vagas temporárias neste ano.
“A dificuldade de contratação é nacional, especialmente nas funções operacionais”, afirma. Ele destaca que a baixa taxa de desemprego e mudanças comportamentais — sobretudo entre jovens que rejeitam escalas rígidas, como o regime 6×1 — ampliam a competição por mão de obra. Os programas de transferência de renda também influenciam a seletividade dos candidatos.
Segundo Lopes, o trabalhador brasileiro está mais criterioso: “Não se pode dizer ainda que só não trabalha quem não quer, mas já existe um movimento em que o trabalhador escolhe onde e como quer atuar”. Ele ainda lembra que o temporário tem direitos equivalentes aos do celetista, proporcionalmente, e pode ser efetivado — prática que ocorre em 20% a 22% dos casos.
Empresas precisam rever práticas de gestão
Questionado sobre os erros das empresas, Édio Bertoldi afirma que a solução para a escassez de mão de obra passa por três dimensões: indivíduo, empresa e formação. Ele aponta recomendações:
Revisitar paradigmas
Profissionais de RH devem reavaliar modelos de gestão, remuneração, benefícios e estratégias de atração, flexibilizando processos quando possível.
Educação e formação
Investir em qualificação contínua é essencial para acompanhar a evolução técnica e comportamental, especialmente em um país com maior longevidade.
Empresas como aceleradoras
Organizações devem fortalecer programas internos de capacitação e ajustar estruturas de cargos e competências, trazendo jovens para o centro do desenvolvimento corporativo.
Olhar científico para públicos específicos
Bertoldi recomenda que empresas estudem recortes como o de jovens de 18 a 23 anos, grupo com alto desemprego e necessidades específicas, desenvolvendo planos de ação dedicados.
Tecnologia cresce, mas pessoas continuam no centro
Com o avanço da automação, algumas empresas já recorrem a robôs para suprir lacunas operacionais. Para Bertoldi, o movimento é compreensível, mas limitado: o atendimento e a experiência do cliente ainda dependem de pessoas.
“Tem o seguinte ditado: ‘farinha pouca, meu pirão primeiro’. Vivemos nessa era em que cada um procura sobreviver nessa situação de alguma maneira. Não que seja uma prática ideal (o robô), mas as empresas precisam procurar formas de rodar seu negócio”, afirma. “E vamos combinar: sem pessoas, sem gente para o atendimento, para encantar o cliente, os negócios não rodam. O ser humano vai ser sempre necessário. Não é 8 nem 80, o desafio reside em buscar o equilíbrio.”



