Por Wilton Emiliano Pinto *
Quando me olho no espelho, já não vejo aquele menino que nasceu em 1944, na Fazenda da Mata, em Estulânia/Piracanjuba, cercado pela vastidão verde e embalado pelos sons da natureza.
Aquele menino ligeiro, que corria descalço pelos campos, sentindo a terra quente sob os pés, pastoreando o gado sob o sol dourado das manhãs e rindo sem pressa, sem peso. A inocente liberdade de quem ainda não sabia das dores do tempo.
Onde ele foi parar?
Onde está aquele brilho nos olhos, aquela esperança que não conhecia limites?
O reflexo também não mostra mais o garoto que brincava com os amigos de aventuras inventadas, inspiradas nos filmes de então, do cinema local. Quanta alegria cabia naqueles instantes!
Recriávamos heróis, empunhávamos espadas invisíveis e salvávamos o mundo antes que o sol se escondesse.
E depois vinha a recompensa: um picolé de coco queimado, um sabor que nunca mais encontrei igual. Talvez porque ele tivesse um ingrediente especial, invisível aos olhos, mas sentido pela alma: o gosto da infância, da inocência, da felicidade sem amarras.
Olho e não vejo mais o rapaz que, em 1960, trocou as pastagens pela cidade grande, ingressando no Ginásio Estadual de Campinas, o hoje querido Pedro Gomes, em Goiânia.
O mundo cresceu diante de mim, trazendo livros, desafios e sonhos que ultrapassavam as cercas da fazenda. Caminhava pelos corredores com um misto de medo e excitação, aprendendo a decifrar os segredos das palavras, dos números e da vida.
Ah, como era bom ter a ilusão de que o tempo não corria, de que sempre haveria amanhãs infinitos para tudo o que eu queria viver.
Tampouco encontro o jovem que, em 1964, vestiu a seriedade da vida profissional ao ingressar no DERGO.
Os primeiros dias foram de incerteza, os colegas pareciam saber tanto, enquanto eu tateava em um mundo novo. Mas aprendi. Cresci. Cada jornada construiu um pedaço da história que carrego no peito.
Não vejo mais o homem vigoroso que, nas pérolas do tempo, organizava pescarias com amigos, rindo alto à beira dos rios, celebrando a camaradagem e o prazer das coisas simples.
E como esquecer a expedição de 2007, quando percorremos juntos os 282 quilômetros do Rio do Peixe, do início até a foz no Araguaia?
Noite após noite, sob o manto estrelado, sentíamos que o tempo nos pertencia. Que nossas histórias ecoariam na correnteza do rio. Que nada nos tiraria a emoção da descoberta e da amizade.
O espelho também não reflete mais o jovem apaixonado que, em 1971, decidiu dividir sua jornada com Itacira. O casamento foi um marco, o início de uma nova aventura, uma construção feita de sonhos compartilhados, risos, desafios e amor.
Ao lado dela, aprendi que felicidade é ter com quem dividir o silêncio, que o tempo, por mais veloz que seja, é mais suave quando vivido a dois.
Agora, ao encarar o espelho, vejo um senhor com mais de 80 anos.
Os traços são outros, os passos são mais lentos, mas dentro de mim ainda vive aquele menino que corria pelos campos, aquele jovem que sonhava alto, aquele homem que ousava desafiar os limites do tempo.
O brilho nos olhos pode ter mudado, mas a chama das memórias ainda arde, aquecendo o coração.
A saudade aperta, mas não é triste. É uma saudade doce, uma melancolia suave de quem viveu plenamente cada instante. Se pudesse, reviveria tudo: cada risada, cada desafio, cada descoberta.
Mas, ao mesmo tempo, aceito o presente com serenidade. Sei que a vida é um ciclo e que cada fase tem sua beleza.
O que vejo no espelho é mais do que rugas e cabelos brancos. Vejo uma vida que valeu a pena. Vejo um homem que soube amar, que soube construir, que soube ser.
O futuro? Ele virá, como sempre veio, e estarei pronto para recebê-lo com o mesmo coração que um dia bateu acelerado diante de um picolé de coco queimado.
No fim das contas, a essência nunca se perde, apenas amadurece, como um rio que nunca para de correr.
E, ao olhar para trás e para dentro de mim, percebo: cada ruga, cada lembrança, cada riso e cada lágrima formam a poesia única da minha vida — e essa poesia é eterna.
