Pesquisa técnica indica concentração de benefícios, risco de comercialização irregular e impacto tarifário para consumidores sem painéis solares
Subsídios e efeitos colaterais
Um estudo técnico encomendado por oito entidades do setor elétrico questiona a sustentabilidade da micro e minigeração distribuída (MMGD), modelo que permite a consumidores produzirem sua própria energia, em especial por meio de painéis solares. A análise aponta que, embora a política pública tenha estimulado a expansão inicial dessa fonte, o prolongamento dos subsídios gerou distorções, como retornos considerados excessivos e indícios de práticas irregulares, como a comercialização de energia por empresas, o que é vedado pela legislação.
O trabalho foi conduzido pelo engenheiro e pesquisador Marco Delgado, que utilizou modelos estatísticos e acadêmicos para examinar o impacto do setor. Segundo ele, a manutenção do benefício previsto na Lei 14.300/22 deixou de ser equilibrada, já que transfere custos a consumidores que não têm acesso ao sistema.
Crescimento acelerado e concentração de mercado
Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que a MMGD já reúne 3,9 milhões de pontos de geração no país, quase todos ligados a sistemas solares. A capacidade instalada chega a 43 gigawatts, equivalente a três usinas de Itaipu, com 6,9 milhões de consumidores beneficiados.
Apesar de a geração remota responder por uma fatia menor da potência, concentra a maioria dos usuários: 4,2 milhões, contra 2,7 milhões com painéis instalados em telhados. O estudo identificou forte concentração, já que apenas 3% dos geradores atendem metade dos consumidores dessa modalidade. “Há empresa com 15 mil condôminos. Isso é condomínio legítimo?”, questiona Delgado.
Alta rentabilidade e desequilíbrio competitivo
A análise financeira mostra que a taxa interna de retorno (TIR) da MMGD alcança, em média, 50% ao ano, chegando a 60% na geração remota. Para comparação, setores regulados como saneamento, gás e distribuição de energia registram retornos médios em torno de 12%.
Esse desempenho é explicado pela combinação da queda no preço dos equipamentos fotovoltaicos e a manutenção do desconto no uso da rede elétrica, custeado pelos demais consumidores. Apenas em julho de 2025, a Aneel registrou que o gasto mensal médio com subsídios para beneficiários da MMGD chegou a R$ 210 por consumidor — quase sete vezes o valor concedido às famílias de baixa renda.
Impacto sobre o sistema elétrico
Outro problema destacado é a falta de controle do Operador Nacional do Sistema (ONS) sobre a MMGD. Como não é possível desligar painéis instalados em telhados ou fazendas, o excesso de geração durante o dia força cortes em usinas hidrelétricas, térmicas e grandes parques de energia solar e eólica, prática conhecida como curtailment. A medida reduz receitas desses empreendimentos e não prevê ressarcimento.
“Temos dois problemas: a venda de energia que não poderia ser comercializada e a ampliação da oferta sem mecanismos de controle”, resume Delgado.
Propostas e referências internacionais
O estudo defende o fim dos subsídios para que todos os consumidores arquem de forma proporcional com os custos do sistema. Para quem já instalou painéis, o pesquisador sugere a criação de um modelo de compensação quando a energia gerada causar curtailment, prática já adotada em estados norte-americanos como Califórnia, Geórgia e Massachusetts.
A pesquisa também aponta impacto direto sobre tarifas e inflação. Estima-se que a antecipação da transição prevista na Lei 14.300/22 poderia retirar R$ 17 bilhões da base tarifária, reduzindo em 5% o valor das contas de luz e aliviando a pressão sobre o orçamento das famílias.
Entidades envolvidas
Entre as instituições que encomendaram o estudo estão Abeeólica (energia eólica), Abiape (investidores em autoprodução), Abradee (distribuidoras), Abrage (geração), Anace (consumidores), Frente Nacional dos Consumidores de Energia e Abrace (grandes consumidores). O documento já foi entregue ao Ministério da Fazenda e deve ser encaminhado à Presidência da República.