Presidente brasileiro vai à Assembleia-Geral da ONU em meio a tensão com Donald Trump e novas sanções americanas
Roteiro de contrapontos a políticas dos EUA
Dois meses após o anúncio de tarifas elevadas ao Brasil pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Luiz Inácio Lula da Silva inicia, nesta segunda-feira (22), uma série de compromissos em Nova York destinados a apresentar contrapontos às pautas defendidas pelo governo americano. A agenda inclui reuniões sobre a situação de palestinos na Faixa de Gaza, um evento voltado à defesa da democracia e, principalmente, a participação na Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU), marcada para amanhã, quando o presidente brasileiro fará um discurso sobre soberania nacional e compromissos climáticos internacionais.
No encontro, Lula poderá estar frente a frente com Trump, mas em circunstâncias diferentes das de anos anteriores, com o Brasil e os EUA atravessando seu período de maior tensão nas últimas duas décadas. O presidente brasileiro abrirá a sessão, mantendo a tradição, enquanto o americano será o segundo a discursar.
Contexto de sanções e tensões diplomáticas
Em meio às ameaças de novas retaliações econômicas, a expectativa é que o discurso de Lula destaque o respeito do Brasil às leis internacionais e ao multilateralismo, segundo interlocutores do governo. O texto foi elaborado de forma a evitar confrontos diretos com Trump, mas incluirá mensagens claras à comunidade internacional e ao público interno.
A visita coincide com a imposição de sanções a autoridades brasileiras, anunciadas pelo secretário de Estado americano Marco Rubio, em resposta à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe. Para o governo americano, Bolsonaro enfrenta uma “caça às bruxas”, e o levantamento de tarifas de 50% sobre exportações brasileiras seria condicionado à suspensão do processo contra o ex-presidente. Entre as medidas já aplicadas estão a proibição de operações comerciais e financeiras envolvendo empresas americanas e a suspensão de vistos de entrada nos EUA para magistrados e integrantes do governo brasileiro.
Apesar de 51% dos brasileiros reprovarem a gestão de Lula, pesquisa Genial/Quaest divulgada na última quarta-feira indica que 64% apoiam a defesa da soberania nacional diante do impasse com os EUA, refletindo respaldo interno às medidas de enfrentamento da crise.
Discurso preparado para líderes internacionais
Segundo fontes do governo, Lula se dirigirá à tribuna da ONU aos representantes dos 193 países membros, sem menções diretas aos EUA ou a Trump. O discurso, ainda sujeito a ajustes de última hora, abordará soberania, democracia, mudanças climáticas e transição energética, incluindo o convite à conferência mundial sobre o clima, COP30, em Belém (PA), em novembro.
O presidente também deve retomar pautas recorrentes, como combate à fome e à pobreza, reforma de organismos multilaterais, negociação de paz entre Rússia e Ucrânia e condenação da ofensiva militar israelense em Gaza. O Itamaraty criticou recentemente a escalada da operação terrestre israelense na região.
— Ainda não sabemos se Lula adotará tom de confronto, como em declarações públicas recentes, ou de diálogo, como no artigo publicado no New York Times — afirma Guilherme Casarões, professor de Estudos Brasileiros na Florida International University.
Reuniões paralelas em Nova York
Antes da fala na ONU, Lula participará de encontros sobre a criação de dois Estados — Israel e Palestina — organizados por França e Arábia Saudita, em contraposição à postura americana. Ontem, Canadá, Reino Unido e Austrália reconheceram oficialmente a Palestina.
Além disso, o presidente brasileiro será co-presidente do evento “Em Defesa da Democracia: Combatendo os Extremismos”, que reunirá líderes internacionais para discutir estratégias de fortalecimento democrático frente à desinformação, discurso de ódio e ataques às instituições. Entre os outros chefes de Estado confirmados estão Pedro Sánchez (Espanha), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia) e Luis Lacalle Pou (Uruguai).
Na primeira edição do evento, realizada no Chile em julho, Lula já havia criticado veladamente Trump, afirmando que a democracia global estava sendo ameaçada pela extrema-direita e não pelo socialismo.
Histórico de discursos brasileiros na ONU
- 1947 – Oswaldo Aranha: Defendeu paz duradoura e convivência entre religiões, articulando o plano de partilha da Palestina.
- 1982 – João Batista Figueiredo: Mencionou a crise da dívida externa e defendeu o livre comércio.
- 2003 – Lula: Abordou combate à fome e ampliação das relações com China e Rússia, prefigurando o bloco dos Brics.
- 2011 – Dilma Rousseff: Reforçou multilateralismo e apoiou o ingresso da Palestina na ONU.
- 2019 – Jair Bolsonaro: Optou por discurso ideológico, criticando a ONU e países que classificou como ditaduras socialistas.
- 2024 – Lula: Enfatizou conflitos internacionais, defesa do multilateralismo, combate à fome e mudanças climáticas, sem citar nomes específicos.