A menos de dois meses da conferência climática da ONU, apenas 71 países confirmaram presença; dificuldades com hospedagem e custos elevados preocupam organizadores
Confirmações abaixo do esperado
A Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-30), marcada para novembro em Belém, pode enfrentar um impasse logístico sem precedentes. Até o momento, apenas 71 países — pouco mais de um terço das 195 nações signatárias do Acordo de Paris — confirmaram oficialmente presença e hospedagem. O balanço é da Secretaria Extraordinária para a COP-30 (Secop), vinculada ao governo federal, que ainda espera ampla adesão internacional.
Regras exigem quórum mínimo
Pelas normas da ONU, a realização da conferência exige a presença de ao menos um terço dos países. No entanto, para que decisões possam ser tomadas, é necessário quórum qualificado de dois terços (130 nações). Em edições anteriores, esse requisito nunca havia sido colocado em dúvida, já que praticamente todos os signatários compareciam. A situação inédita em Belém gera preocupação sobre a legitimidade das deliberações.
Hospedagem é o principal entrave
Os altos preços de hotéis e imóveis na capital paraense têm dificultado a participação de delegações, especialmente de países com menos recursos. Para contornar o problema, o governo federal organizou uma força-tarefa em parceria com o governo estadual, negociou a utilização de dois navios de turismo como hospedagem alternativa e abriu um site oficial para reservas. Ainda assim, relatos de dificuldade persistem.
A diretora-executiva da COP-30, Ana Toni, afirmou em agosto que a situação “já melhorou bastante”, destacando avanços após a criação da força-tarefa. Mesmo assim, o presidente da Áustria, Alexander Van der Bellen, cancelou sua ida a Belém por questões orçamentárias, sendo substituído pelo ministro do Meio Ambiente, Norbert Totschnig.
Críticas de especialistas
Para Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, a discussão sobre quórum revela falhas graves na organização.
“O surreal é que, a essa altura, a gente não deveria discutir se terá quórum para decisões. Isso já deveria ter sido resolvido há muito tempo”, afirmou.
Astrini alertou ainda que, caso a participação seja restrita, a COP-30 pode se tornar “a mais excludente da história”, reduzindo a legitimidade de seus resultados.
Expectativas para a conferência
A COP-30 é considerada estratégica por ocorrer no coração da Amazônia, em um esforço do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para reforçar a liderança do Brasil na agenda climática global. A expectativa é que o encontro avance na definição de metas climáticas mais ambiciosas, discuta mecanismos de financiamento e acelere a transição para economias de baixo carbono.
Para Fernanda Carvalho, da WWF Internacional, a presença ampla é crucial:
“Estamos em um momento definidor para o regime climático e para o ciclo de emissões de CO2. É fundamental que a maior parte das nações esteja representada.”
Pressão sobre os organizadores
Embora nenhum país tenha anunciado formalmente desistência, o bloco dos Países Menos Desenvolvidos (LDC, na sigla em inglês) expressou preocupação com os custos de Belém. A incerteza quanto à participação dos Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump — crítico das políticas de combate ao aquecimento global —, também adiciona tensão ao cenário.
Paulo Moutinho, pesquisador do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam), que acompanha as COPs desde 2000, resume o desafio:
“Já vimos dificuldades logísticas em outros países, mas nesta edição o caráter especulativo dos preços é atípico. Apesar disso, acredito que o número de delegações será suficiente para uma conferência produtiva.”