Lideranças evangélicas demonstram cautela diante do processo que pode transformar o ex-presidente em réu condenado, enquanto Silas Malafaia mantém postura combativa.
Apoio público rarefeito
Pastores que antes se colocavam de forma enfática ao lado de Jair Bolsonaro agora demonstram hesitação diante do julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). A eventual condenação do ex-presidente abre espaço para uma divisão dentro da cúpula evangélica, que oscila entre o apoio aberto, o silêncio estratégico e a expectativa quanto ao futuro político do líder.
Entre os que mantêm discurso firme está Silas Malafaia, que se consolidou como a principal voz de defesa de Bolsonaro no meio religioso. Responsável por financiar manifestações, atacar ministros da Corte e figurar como investigado em inquérito relacionado ao ex-presidente, Malafaia permanece ativo. Entretanto, nos bastidores, pastores reconhecem desgaste e falam em “condenação inevitável”, fator que tem reduzido a disposição para manifestações públicas.
Grupo de líderes em compasso de espera
No grupo de WhatsApp “Aliança”, que reúne nomes como Malafaia, Renê Terra Nova, Abner Ferreira e Estevam Hernandes, o fluxo de mensagens atualmente é dominado quase exclusivamente por conteúdos disparados pelo pastor carioca. Vídeos recentes convocam fiéis para atos no 7 de setembro, mas o engajamento geral parece tímido.
Pastores como Cláudio Duarte, André Valadão e o próprio Hernandes participam das convocações, ainda que os discursos sejam cada vez mais genéricos, centrados na defesa da “liberdade de expressão e religiosa”. Questionamentos diretos ao julgamento, no entanto, seguem restritos a Malafaia.
Entre a cautela e o silêncio
Algumas denominações de peso, como a Igreja Universal do Reino de Deus, têm optado pelo silêncio. A avaliação é que a postura reflete pragmatismo político diante da indefinição sobre o futuro de Bolsonaro.
Outros líderes, quando pressionados, limitam-se a manifestações breves. “O tempo é o senhor da história”, afirmou o bispo Robson Rodovalho, da Sara Nossa Terra. Já o apóstolo César Augusto, da Fonte da Vida, descreveu o clima como “muito ruim”, pedindo “bom senso” para evitar uma escalada da crise. Ele ainda considera possível que outros nomes da direita ocupem espaço em 2026 caso Bolsonaro seja condenado, sem descartar até mesmo a candidatura de Malafaia.
Ação contra Malafaia mobilizou mais que julgamento
A apreensão de passaporte, celular e anotações de Malafaia pela Polícia Federal no mês passado provocou reação mais imediata da comunidade evangélica do que o julgamento do ex-presidente. O pastor recebeu apoio de colegas como Cláudio Duarte, que publicou mensagem de solidariedade, e do Cimeb (Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil), entidade fundada pelo próprio Malafaia.
Até vozes críticas ao bolsonarismo, como o reverendo Augustus Nicodemus Lopes, condenaram o que classificam como “assédio contra um líder religioso”. Em sua visão, não se pode normalizar a apreensão de bens e a divulgação de áudios de pastores sem justificativa criminal clara.
Base fiel, mas menos mobilizada
Apesar do desgaste, pesquisas apontam que a base evangélica de Bolsonaro permanece significativa. O que mudou foi a disposição de militância: atos de rua têm perdido força e círculos de oração já não giram em torno de sua figura.
Para o cientista político Vinicius do Valle, o momento é de observação. “Alguns líderes ainda se manifestam abertamente, mas a maioria está em compasso de espera, avaliando onde será melhor se posicionar.”
Segundo ele, há ainda um descompasso entre a militância digital dos pastores e a atenção dos fiéis no cotidiano. “Não virou o grande assunto nas igrejas. Talvez isso comece a mudar com o avanço do julgamento.”