Desfile impressionante, líderes mundiais presentes e discurso de Xi Jinping reforçam ambições da China de desafiar a ordem internacional liderada pelos EUA
Xi Jinping em evidência na Porta de Tiananmen
A China enviou uma demonstração clara de poder nesta quarta-feira (3), durante a cerimônia oficial que marcou os 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. Ao todo, 12 mil soldados desfilaram acompanhados de sistemas de armas de última geração, prontos para operações globais, e aeronaves modernas sobrevoaram a Praça da Paz Celestial. No centro de tudo, o presidente Xi Jinping se destacou como líder absoluto, sob o imponente retrato de Mao Tsé-Tung.
Vinte e seis chefes de Estado e de governo de regiões como Ásia, Oriente Médio, África e América Latina presenciaram o espetáculo. À direita de Xi estava o presidente russo, Vladimir Putin, e à esquerda, o ditador norte-coreano, Kim Jong-un. Da Europa, participaram também Alexander Lukashenko, da Belarus, o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, e o presidente sérvio, Aleksandar Vučić.
Da América Latina, compareceu o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, enquanto o Brasil foi representado pelo diplomata Celso Amorim, assessor especial da Presidência da República. A ex-presidente Dilma Rousseff, atualmente à frente do Banco do Brics, sediado em Xangai, também marcou presença.
No discurso, Xi enfatizou: “O rejuvenescimento da nação chinesa é imparável e a nobre causa da paz e do desenvolvimento da humanidade certamente triunfará”. O líder chinês alertou ainda que “o mundo volta a enfrentar uma escolha entre a paz e a guerra, o diálogo e o confronto”, numa referência às crescentes tensões geopolíticas.
Estratégia de poder e projeção internacional
O espetáculo militar deixa clara a mensagem de Xi: posicionar a China como alternativa à ordem mundial dominada pelos Estados Unidos. “Desfiles desse porte fazem parte das ferramentas usadas em autocracias para demonstrar força, seja ela real ou simbólica”, avalia Eberhard Sandschneider, professor emérito de ciências políticas na Universidade Livre de Berlim.
A ascensão econômica chinesa fortalece seu papel político global. Sob Xi, o país projeta concluir processos de modernização até 2049, ano do centenário da República Popular da China, elevando o PIB per capita ao nível de uma nação industrializada de médio porte. Estudos indicam que, entre cinco e 15 anos, a China pode ultrapassar os EUA como a maior economia mundial.
Entrelaçamento entre política e economia
A expansão chinesa no cenário internacional também passa por organizações como o Brics, a Organização para Cooperação de Xangai (OCX) e pelo ambicioso projeto da Nova Rota da Seda. Com 153 países envolvidos, iniciativas como o corredor econômico CPEC no Paquistão, a ferrovia de alta velocidade no Quênia e o porto de águas profundas de Chancay, no Peru, reforçam a influência da China no Sul Global.
O Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) e outras instituições estatais financiam projetos conforme as demandas políticas de Pequim. Países parceiros, ao se endividarem, tornam-se dependentes do regime, enquanto critérios trabalhistas e ambientais costumam ser flexíveis. Quem reconhece Taiwan como parte da China, por exemplo, garante acesso facilitado a contratos e financiamento.
O “Modelo Chinês” enfrenta críticas no Ocidente, mas atrai apoio crescente na África e na América Latina. O ex-presidente nigeriano Olusegun Obasanjo destacou que o progresso da China é “uma fonte de inspiração e de oportunidades” para o continente africano.
Centralismo chinês versus democracias ocidentais
Analistas ressaltam que o objetivo de Xi é “reformular a governança global e democratizar relações internacionais”, mas sem aderir a valores liberais. “O estatismo e os interesses nacionais moldam toda a abordagem chinesa”, explica Claus Soong, do Instituto Mercator de Estudos Chineses.
Pequim busca recursos e acesso a mercados, sem interferir diretamente na ordem política de outros países. Enquanto isso, a Europa enfrenta desafios internos e externos à democracia, agravados pela instabilidade nas relações com os Estados Unidos e pela ascensão de extremistas em alguns governos da União Europeia.
“A democracia precisa ser protegida contra ameaças internas e externas. Ela é comprometida quando regimes autoritários se expandem, exigindo que abramos mão de nossas liberdades em favor da autocracia”, alerta Soong.