Estudo identifica nanoesferas de ferro em reservatório subterrâneo e abre novas pistas sobre vida em ambientes extremos
Um dos mistérios mais antigos da Antártida ganhou uma explicação científica definitiva. A chamada Cachoeira de Sangue, que escorre pela Geleira de Taylor com um tom vermelho intenso, intriga pesquisadores desde 1911. Agora, cientistas dos Estados Unidos confirmaram que a tonalidade não é causada por algas, como já se acreditou, mas por nanoesferas ricas em ferro vindas de um reservatório subterrâneo de água super-salgada, preservado há mais de um milhão de anos.
Além de revelar a origem do fenômeno, a descoberta reforça hipóteses sobre como a vida pode resistir em condições extremas, trazendo novas pistas sobre ecossistemas ocultos sob o gelo antártico.
Mistério centenário
A queda-d’água avermelhada foi registrada pela primeira vez em 1911 pelo geólogo Thomas Griffith Taylor. Desde então, sua cor e fluidez em meio às baixíssimas temperaturas do polo Sul intrigaram a comunidade científica. Acreditava-se que a coloração fosse causada por algas, mas análises recentes mostraram que o motivo está na oxidação do ferro ao entrar em contato com o oxigênio do ar.
Esse processo, semelhante ao da ferrugem, explica o tom vermelho característico, que escorre da geleira para o Lago Bonney, na região de McMurdo.
Água antiga e resistente ao congelamento
Estudos recentes confirmaram que a água vem de um reservatório subterrâneo super-salgado localizado abaixo da geleira. Com mais de 13% de concentração salina, a água não congela mesmo sob temperaturas de até -7 °C.
“Embora pareça estranho, a água libera o calor à medida que congela, e esse calor aquece o gelo ao redor”, explicou a pesquisadora Erin Pettit. Esse mecanismo ajuda a manter o fluxo líquido preservado ao longo de milhões de anos.
Nanoesferas revelam o segredo
O avanço decisivo ocorreu quando cientistas da Universidade Johns Hopkins analisaram amostras com microscópios de transmissão de elétrons. O pesquisador Ken Livi identificou que o ferro não estava em forma mineral, mas em nanoesferas, estruturas cem vezes menores que uma célula sanguínea.
“Para ser um mineral, os átomos devem estar dispostos em uma estrutura cristalina muito específica. Essas nanoesferas não são cristalinas, então os métodos usados anteriormente não conseguiram detectá-las”, afirmou Livi.
Janela para o estudo de outros planetas
Além do valor geológico, a Cachoeira de Sangue é vista como um laboratório natural para a astrobiologia. Microrganismos que sobrevivem nesse ambiente isolado, alimentando-se de ferro e enxofre, ajudam a compreender como a vida pode persistir em condições semelhantes às de Marte.
A microbióloga Jill A. Mikucki destacou que métodos de análise semelhantes aos aplicados pelos rovers marcianos foram usados no estudo. No entanto, a identificação das nanoesferas também revelou limitações dos instrumentos atuais.
“Nossa pesquisa mostrou que a análise conduzida pelos veículos rover é incompleta”, disse Livi. Para ele, novos equipamentos serão fundamentais para detectar partículas nanométricas e não cristalinas em ambientes planetários gelados.
(Com Gazeta de SP)