Parte comercial será destacada do restante do tratado para facilitar a aprovação, em meio à pressão causada pela guerra tarifária de Donald Trump.
Documento revisado marca início da tramitação
A Comissão Europeia deve apresentar nesta semana o rascunho revisado do acordo entre União Europeia e Mercosul, nove meses após a assinatura inicial. A estratégia será destacar a parte comercial do tratado, separando-a de outros pontos mais sensíveis, para superar resistências políticas.
Segundo diplomatas em Bruxelas, salvo mudanças de última hora, o texto já traduzido para as 24 línguas oficiais do bloco será submetido na quarta-feira (3) ao Colégio de Comissários, órgão responsável pelo Orçamento da União Europeia e pela proposição de legislações. A expectativa é que o processo de ratificação seja finalmente iniciado.
Além do Mercosul, os comissários devem analisar um acordo de livre comércio semelhante com o México.
Aprovação mais simples com parte comercial isolada
Ao restringir a análise apenas à vertente comercial, a tramitação ganha caráter simplificado, exigindo apenas maioria qualificada: apoio de ao menos 15 dos 27 países-membros, representando 65% da população da UE. Na sequência, uma votação por maioria simples no Parlamento Europeu seria suficiente.
Se o tratado fosse submetido em sua totalidade, teria que passar pelos Parlamentos nacionais dos 27 países, algo considerado inviável diante das atuais resistências, especialmente da França.
França lidera oposição ruralista
Paris conduz a oposição ao acordo, motivada pelo temor dos produtores rurais de uma enxurrada de produtos agrícolas sul-americanos no mercado europeu. O governo francês insiste que o tratado ameaça sua política agrícola, ainda que Bruxelas argumente existir um sistema de cotas para proteger os produtores locais.
O lobby ruralista francês tem forte influência política. No fim de 2024, dias antes da assinatura do documento no Uruguai, a Assembleia Nacional aprovou simbolicamente uma moção contrária ao pacto. Em abril deste ano, após reunião com o ministro da Fazenda brasileiro, Fernando Haddad, o ministro francês Éric Lombard suavizou o tom, mas manteve a posição contrária.
O presidente Emmanuel Macron também tem expressado reiteradas críticas ao acordo, inclusive em conversas diretas com Luiz Inácio Lula da Silva.
Alemanha pressiona por avanços
Enquanto a França resiste, a Alemanha defende a aceleração de novos tratados comerciais. Em visita recente ao presidente francês, o premiê alemão Friedrich Merz evitou mencionar o Mercosul em público, mas, segundo analistas, Berlim enxerga o acordo como peça-chave diante da guerra tarifária de Donald Trump.
O setor automotivo alemão é um dos mais atingidos pelas medidas do presidente norte-americano. Em 2024, o país exportou 445 mil veículos para os Estados Unidos, movimentando US$ 24,8 bilhões (R$ 128,6 bilhões). Desde que assumiu o cargo em maio, Merz tem pressionado a UE a expandir mercados e vê o Mercosul como um raro ponto positivo em sua política econômica contestada.
Outros países em dúvida
Além da França, a Irlanda também expressa preocupações agrícolas. Holanda, Áustria e Itália chegaram a ensaiar adesão à oposição, mas a ofensiva tarifária de Trump embaralhou prioridades, abrindo espaço para avanços na negociação.
Bruxelas aposta na apresentação conjunta dos acordos com Mercosul e México como forma de reforçar a narrativa de pragmatismo e de resposta coordenada à pressão norte-americana.
Um mercado estratégico
Negociado há mais de duas décadas, o acordo União Europeia-Mercosul prevê a criação de um mercado de cerca de 750 milhões de pessoas, responsável por aproximadamente 20% do comércio mundial.
Com a guerra tarifária em curso, diplomatas avaliam que a concretização do tratado ganha ainda mais relevância geopolítica, tanto para a União Europeia quanto para os países do Mercosul.
