Empresas prometem investir R$ 14 bilhões em cinco anos no Brasil e ampliam disputa por restaurantes, entregadores e consumidores com taxa zero, contratos polêmicos e batalhas judiciais
Mercado de delivery entra em nova fase no Brasil
O setor de delivery de refeições vive uma disputa inédita no Brasil. O iFood, que por anos manteve hegemonia com cerca de 80% do mercado, enfrenta agora o avanço da Rappi, o retorno da 99Food e a chegada da chinesa Keeta. A competição não se limita ao consumidor final: restaurantes e entregadores estão no centro da briga, que envolve desde promoções agressivas até disputas judiciais por contratos de exclusividade.
De acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o delivery já responde por até 30% do faturamento de bares e restaurantes no país. Com a previsão de que os pedidos de comida pela internet dobrem em cinco anos, as empresas planejam investir R$ 14 bilhões, sendo R$ 10 bilhões até o final de 2026, em estratégias de fidelização e expansão.
Decisão do Cade abriu espaço para novos competidores
Especialistas atribuem a retomada da concorrência à decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em 2023, que restringiu os contratos de exclusividade do iFood. O órgão determinou que esse tipo de acordo não poderia ultrapassar 25% do faturamento bruto da empresa nem incluir redes com mais de 30 unidades. Além disso, em cidades com mais de 500 mil habitantes, a exclusividade ficou limitada a 8% dos restaurantes cadastrados.
— Esse acordo trouxe de volta os investimentos e a possibilidade de novos players competirem em condições mais equilibradas. É um momento histórico para o setor — afirma Paulo Solmucci, presidente da Abrasel.
Batalhas jurídicas e acusações de concorrência desleal
As disputas entre as plataformas não se restringem ao campo comercial. A Keeta acusa a 99Food de investir R$ 900 milhões em contratos de exclusividade para impedir que restaurantes se cadastrem em sua plataforma, ação que já chegou à Justiça e ao Cade. O iFood, por sua vez, denunciou ao Conar a campanha da 99Food que prometia “taxa zero por dois anos”, alegando propaganda enganosa.
Nos bastidores, há ainda acusações de cópia de layout de aplicativos, imitação de logotipos e até tentativas de aliciamento de profissionais estratégicos do setor.
Estratégias de expansão: taxa zero e preços de balcão
Cada plataforma tem apostado em estratégias diferentes para conquistar espaço.
- iFood: pretende investir R$ 17 bilhões até 2026, sendo R$ 6 bilhões direcionados a restaurantes parceiros. A meta é ampliar sua atuação de 1.500 para 1.750 cidades e chegar a 80 milhões de usuários até 2028.
- 99Food: após deixar o país em 2023, voltou prometendo R$ 1 bilhão em investimentos apenas em 2025, oferecendo isenção de comissões e mensalidades a restaurantes, além de exigir que o preço cobrado no delivery seja o mesmo praticado no balcão.
- Rappi: já presente em 70 cidades, aposta em taxa zero para pedidos de restaurantes e em descontos de até 10% para consumidores. A empresa pretende investir R$ 1,4 bilhão nos próximos três anos e ampliar sua presença para 300 municípios.
- Keeta: com aporte de R$ 5,6 bilhões em cinco anos, planeja operar em 15 regiões metropolitanas até 2026, mirando a quarta posição mundial em delivery, atrás apenas de China, EUA e Coreia do Sul.
Restaurantes veem chance de reduzir custos
Entre empresários do setor de alimentação, a chegada de novas plataformas é vista como uma oportunidade de negociar taxas mais baixas e atrair novos clientes. Manu Ornelas, dona do Grupo Divina Providência, no Rio de Janeiro, afirma que hoje não há como abrir mão do delivery:
— Só com maior concorrência e menores custos vamos ver preços mais acessíveis e promoções mais inteligentes.
No mesmo sentido, Matheus Garcia, do Zagga Pizza Bar, em Copacabana, avalia que a presença de novos players pode equilibrar a relação entre restaurantes e plataformas. Já Deco Pascoal, do bar Sabu, em Ipanema, defende que o cliente deve pagar praticamente o mesmo preço da loja no delivery, o que só seria viável com maior competição.
Iniciativas regionais também ganham espaço
Além das gigantes internacionais, empresas brasileiras e regionais também apostam na expansão. A mineira UaiRango já está presente em 210 cidades de Minas Gerais e quer ampliar sua atuação, assim como a Aiqfome, do grupo Magalu, que pretende alcançar mil municípios. Já o Zé Delivery, da Ambev, que atende 9 milhões de clientes em 700 cidades, amplia o portfólio com alimentos e snacks, reforçando a aposta na conveniência.
O futuro da “guerra do delivery”
A disputa pelo mercado de entrega de comida no Brasil deve se intensificar nos próximos anos. Para consumidores, a concorrência promete preços mais baixos e promoções agressivas. Para restaurantes, significa maior poder de negociação. Para as plataformas, o desafio será conquistar e manter espaço em um setor que se tornou essencial no dia a dia dos brasileiros.
( Com OGLOBO)