Município paraense proíbe veículos motorizados e transforma a bicicleta em ferramenta de transporte, lazer e serviços públicos
Na Ilha do Marajó, reconhecida como a maior ilha fluviomarinha do planeta, está Afuá, cidade que desafia os padrões urbanos convencionais. Com cerca de 40 mil habitantes e localizada a aproximadamente 90 km de Macapá (AP), o município é conhecido como “Veneza Marajoara” por suas ruas suspensas sobre palafitas e cortadas por canais navegáveis.
Desde 2002, Afuá adotou uma política radical de mobilidade: proibiu a circulação de qualquer veículo motorizado, incluindo os elétricos. A bicicleta, portanto, tornou-se o único meio de transporte autorizado e é parte essencial da rotina dos moradores. “Viver em uma cidade cujo único meio de locomoção é a bicicleta é maravilhoso. Além dos benefícios de saúde, é um momento de relaxamento, para observar paisagens e cumprimentar conhecidos”, afirma a professora Maíra Yonara Silva de Moura, de 38 anos.

Bicitáxis’ são triciclos adaptados para locomoção no Afuá – Foto: Fabrício Motta/Arquivo pessoal
Afuá não possui sinalização de trânsito, mas os moradores se organizam em ruas de mão dupla, mesmo quando estreitas. O uso da bicicleta é tão natural quanto aprender a andar. Maíra, que nasceu na cidade, conta que começou a pedalar ainda criança e que seu filho Homero, de 11 anos, também aprendeu cedo. “Ele vai e vem da escola sozinho de bike”, relata.
A cidade é cercada por rios, que funcionam como principal via de entrada e saída. “Tem um aeroporto de pequeno porte na cidade, mas o principal meio de saída é por navio ou lancha. A cidade mais próxima é Macapá, que leva cerca de duas horas de lancha para chegar”, explica Maíra. Belém, por sua vez, exige uma viagem de dois a três dias.
Mesmo sem veículos motorizados, Afuá mantém serviços públicos essenciais adaptados à sua realidade. A Polícia Militar realiza patrulhamento a pé e de bicicleta, e utiliza embarcações para atender regiões ribeirinhas. “Por ser uma cidade sem ruas para veículos motorizados, utilizamos bicicletas e o patrulhamento a pé como principais meios de deslocamento durante o policiamento”, relata a major Adriana Coutinho da Cunha. “A dinâmica proporciona contato mais próximo com a comunidade.”
As ocorrências mais comuns envolvem perturbação do sossego, conflitos interpessoais, furtos e violência doméstica. Em áreas ribeirinhas, ainda há registros de abuso e exploração sexual. Durante eventos e festividades, o policiamento é reforçado para prevenir crimes como tráfico de entorpecentes.

‘Bicilância’ é adaptada para ocorrências na cidade das bicicletas – Foto: Leno Moraes/Arquivo pessoal
A Brigada de Combate a Incêndios também se adapta ao cenário local com a “bicilância”, uma bicicleta de quatro rodas equipada para emergências. “O preparo é igual ao de combater incêndios de cidade grande, o treinamento é o mesmo”, afirma o brigadista Leno Moraes. Em casos mais graves, o uso de barcos e motores bomba nos igarapés permite o combate eficiente ao fogo. “Você consegue esticar a mangueira do igarapé até uma casa pegando fogo”, exemplifica.
As equipes estão disponíveis 24 horas e aptas a atender todo tipo de ocorrência. “A gente chega no local, coloca a vítima na prancha, se precisar faz os primeiros socorros. A gente toma todos os cuidados e desloca na nossa bicilância, adaptada para atender a ocorrência com os pacientes”, afirma Leno.
Afuá tem ganhado destaque nas redes sociais, com vídeos que mostram a rotina tranquila e comunitária dos moradores. O fotógrafo Fabrício Guedes Dias, de 25 anos, acredita que o estilo de vida sustentável encanta os internautas. “Afuá se tornou um símbolo de sustentabilidade. Onde tem gente, tem bicicleta”, diz.
Além das bicicletas convencionais, há os “bicitáxis”, triciclos adaptados para transporte de visitantes. “Ele foi inventado por um morador de Afuá conhecido como Sarito Souza. Geralmente quem mais precisa de serviços de transporte em Afuá são os visitantes, levando em conta que o povo afuaense já quase nasce montado na bicicleta”, brinca Fabrício.
Para os turistas, há opções de aluguel de bicicletas e passeios a pé, especialmente recomendados ao amanhecer ou no fim da tarde, quando o pôr do sol na orla da cidade oferece uma paisagem única. “No fim de tarde, o passeio a pé também pode ser maravilhoso, preferencialmente pelas orlas para que se aprecie um pôr do sol que não se encontra em qualquer lugar”, conclui o fotógrafo.
Afuá representa um modelo de mobilidade urbana sustentável e de convivência comunitária que desafia os paradigmas das grandes cidades. A cidade das bicicletas mostra que é possível viver com menos poluição, mais saúde e maior conexão entre as pessoas.
(Com Redação Terra)