Crise no preço das diárias eleva tensão entre governo brasileiro e ONU a menos de três meses do evento
Baixa adesão preocupa especialistas
A menos de três meses para a Conferência do Clima da ONU (COP30), apenas 47 países confirmaram hospedagem em Belém, o que corresponde a 24% das nações que integram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Nas edições anteriores, entre 193 e 196 países estiveram representados. O dado, divulgado nesta sexta-feira (22) pelo governo brasileiro, acendeu o alerta de especialistas e organizações ambientais sobre o impacto da crise no preço das hospedagens para o andamento das negociações.
Segundo ambientalistas, mesmo que novas delegações confirmem presença, há alta probabilidade de que cheguem em número reduzido, o que pode comprometer o andamento dos acordos diplomáticos. A questão foi discutida em reunião entre representantes do Brasil e o bureau da UNFCCC, classificada por uma fonte como “muito tensa”.
Reação internacional
O panamenho Juan Carlos Monterrey Gómez, vice-presidente do bureau da Convenção, criticou duramente a situação. Em publicação no LinkedIn, ele descreveu os problemas de hospedagem como “insanidade e um insulto” e relatou que a presidência brasileira teria rebatido suas críticas afirmando que suas palavras eram “inaceitáveis” e que ele não compreenderia as “regras de procedimento e diplomacia”.
Uma pesquisa da própria UNFCCC, à qual o jornal O Globo teve acesso, mostra que apenas 18 delegações confirmaram hospedagem nas últimas semanas. O levantamento, que ouviu 147 países, revelou que 87% ainda não garantiram acomodação devido ao preço elevado.
Estratégia do governo brasileiro
De acordo com a Secretaria Extraordinária para a COP30, já estão mapeados mais de 33 mil quartos em Belém, o equivalente a 53 mil leitos — mais do que o exigido pela ONU, estimado em 24 mil quartos. O entrave, segundo o secretário-executivo Valter Correia, não é a oferta, mas os valores cobrados.
Dos 47 países com hospedagem confirmada, 39 utilizaram a plataforma oficial de reservas, que disponibiliza vagas a preços controlados, e oito optaram por diárias no mercado convencional, muito mais caras. Ainda assim, a maioria das delegações atendidas até agora é de países desenvolvidos. Para tentar contornar a situação, a Casa Civil montou uma força-tarefa para contatar diretamente as nações em desenvolvimento e auxiliá-las no processo de reserva.
— Já temos a quantidade de quartos necessária. O desafio é garantir valores compatíveis com o poder aquisitivo das delegações — afirmou Correia.
Especialistas apontam falhas de organização
Para o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, a situação é “preocupante”. Ele lembrou que, em conferências anteriores, como em Glasgow (2021), problemas de hospedagem também ocorreram, mas nunca com tamanha gravidade.
— O governo prometeu lançar a plataforma de hospedagem em fevereiro, mas só disponibilizou agora. Deixou de gerir diretamente a negociação com plataformas e ficou esperando os preços caírem. Essa negligência teria impacto em qualquer cidade, não apenas em Belém — afirmou.
Tatiana Oliveira, do WWF-Brasil, acrescenta que delegações reduzidas podem comprometer as negociações multilaterais.
— Há pelo menos 20 frentes de negociação em uma COP. Se os países não conseguirem enviar representantes suficientes, isso pode atrasar ou até inviabilizar a adoção de medidas. O risco é de deslegitimar as decisões da COP30 — disse.
Lula mantém defesa da Amazônia como sede
Durante encontro com líderes amazônicos na Colômbia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender a realização da conferência em Belém, mesmo diante das críticas à infraestrutura.
— Não é como Paris, não é como Dubai. É a Amazônia — afirmou.