Resultado é o maior da série histórica; especialistas apontam desafios estruturais e risco de explosão no longo prazo
Maior rombo já registrado no primeiro semestre
O Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que abrange aposentadorias, pensões e auxílios pagos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), acumulou um déficit de R$ 203,6 bilhões entre janeiro e junho deste ano. Trata-se do maior resultado negativo para o período desde o início da série histórica, superando inclusive o desempenho de 2020, ano marcado pela pandemia de Covid-19.
Em comparação com o mesmo intervalo de 2024, houve um crescimento de 3% no déficit, que passou de R$ 198,2 bilhões para os atuais R$ 203,6 bilhões. Os dados constam no Boletim Estatístico da Previdência Social.
Arrecadação em queda e despesas em alta
O aumento do déficit foi impulsionado por dois fatores principais: a redução na arrecadação e o avanço das despesas obrigatórias. Entre os gastos que pressionaram o orçamento estão a concessão de novos benefícios previdenciários e a antecipação do 13º salário do INSS, pago nos meses de abril e maio.
A deterioração das contas previdenciárias reacendeu o debate sobre a necessidade de novas reformas. Com o arcabouço fiscal em vigor, o governo enfrenta pressões crescentes para conter gastos e garantir o equilíbrio das contas públicas.
Especialistas apontam estabilidade conjuntural, mas risco estrutural
Para Luis Lopes Martins, professor da FGV Direito Rio, o resultado, embora elevado, não representa uma surpresa completa. “Esse déficit nos primeiros seis meses do ano é muito expressivo, naturalmente, mas não é totalmente inesperado. A gente tem uma certa estabilidade na comparação com o mesmo período do ano passado. Houve um aumento, mas um aumento incremental e relativamente modesto”, afirma.
Segundo o especialista, a Reforma da Previdência de 2019 contribuiu para desacelerar o crescimento do déficit. “A gente continua tendo um certo crescimento da dívida, mas em um ritmo muito inferior ao verificado até então”, acrescenta.
Outro fator relevante é o desempenho do mercado de trabalho. A melhora nos indicadores de emprego tem efeito direto sobre a arrecadação previdenciária. “Se eu tenho a redução do desemprego, o aumento da massa salarial, aumento do número de contribuintes, inclusive contribuintes autônomos e até informais, isso tende a ajudar ou pelo menos estabilizar o ritmo de crescimento do déficit previdenciário”, avalia.
Projeções indicam explosão do déficit nas próximas décadas
Apesar da relativa estabilidade no curto prazo, o cenário de longo prazo é preocupante. “Em todas as projeções, tem um aumento bastante expressivo do déficit previdenciário por razões estruturais e, principalmente, ligadas à demografia brasileira”, afirma Martins.
As estimativas do próprio governo apontam que o déficit, atualmente em torno de 2,5% do PIB, pode ultrapassar 11,5% nas próximas décadas — um salto de quase quatro vezes.
Entre os fatores que explicam esse avanço está o envelhecimento acelerado da população. “Isso se deve a alguns fatores. O primeiro deles é o envelhecimento que, no Brasil, é muito significativo, muito intenso e que acontece em um ritmo muito mais rápido do que ocorreu em outros países. Por exemplo, enquanto a população acima de 65 anos na França demorou mais de 100 anos para dobrar de tamanho, no Brasil isso vai acontecer em menos de duas décadas.”
Queda na natalidade agrava o desequilíbrio
Outro elemento estrutural é a redução da taxa de natalidade. Atualmente, a média de filhos por mulher no Brasil é de 1,57 — abaixo da taxa de reposição populacional, que é de 2,1 filhos por mulher.
“Todos esses fatores demográficos, aliados a questões econômicas, como maior informalidade, pejotização, até problemas relativos também ao aumento de renda e de produtividade, geram desafios de longo prazo muito sensíveis e muito centrais para qualquer discussão política nacional. Afinal, a gente está falando da principal despesa do Orçamento da União”, analisa o professor.
Longevidade traz benefícios e desafios
O aumento da expectativa de vida é, em parte, uma boa notícia, mas também representa um desafio fiscal. “Uma tendência de aumento dos gastos previdenciários é devido a razões estruturais que, em parte, derivam de boas notícias: a população está vivendo mais, as pessoas estão conseguindo chegar a idades mais avançadas com saúde.”
Martins conclui que o cenário exige atenção dos gestores públicos. “Mas isso também traz uma série de obstáculos e uma série de desafios que precisam ser enfrentados pelos gestores e pelo governo. E a implicação prática disso é que a gente certamente vai ver novas discussões sobre reforma previdenciária nos próximos anos.”
Projeções indicam salto de quase quatro vezes até o fim do século
Segundo estimativas da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026, o déficit do INSS, atualmente em torno de 2,58% do Produto Interno Bruto (PIB), pode alcançar 11,59% até o ano de 2100. Em valores absolutos, isso representa um salto de R$ 328 bilhões para R$ 30,88 trilhões.
A projeção considera o comportamento da economia e o envelhecimento acelerado da população brasileira. A faixa etária acima de 60 anos, que representava 13,8% da população em 2019, deve atingir 32,2% até 2060. Já a população economicamente ativa (entre 16 e 59 anos) cairá de 62,8% para 52,1% no mesmo período.
Modelo atual tende ao desequilíbrio
O sistema previdenciário brasileiro opera sob o regime de repartição simples, no qual os trabalhadores da ativa financiam os benefícios dos aposentados. Com menos contribuintes e mais beneficiários, o modelo tende a se desequilibrar.
Além do envelhecimento populacional, a queda na taxa de natalidade agrava o cenário. Hoje, a média de filhos por mulher no Brasil é de 1,57 — abaixo da taxa de reposição populacional, que é de 2,1 filhos por mulher.
Reforma de 2019 foi insuficiente para conter avanço
A reforma da Previdência aprovada em 2019 introduziu idade mínima para aposentadoria (62 anos para mulheres e 65 para homens), aumentou o tempo de contribuição e alterou o cálculo dos benefícios. No entanto, especialistas apontam que as mudanças não foram suficientes para garantir a sustentabilidade do sistema no longo prazo.
Cenário exige novas medidas estruturais
Economistas e analistas de políticas públicas defendem que ajustes adicionais serão inevitáveis. “Em todas as projeções, tem um aumento bastante expressivo do déficit previdenciário por razões estruturais e, principalmente, ligadas à demografia brasileira”, afirma Luis Lopes Martins, professor da FGV Direito Rio.
Segundo ele, o envelhecimento no Brasil ocorre em ritmo acelerado. “Enquanto a população acima de 65 anos na França demorou mais de 100 anos para dobrar de tamanho, no Brasil isso vai acontecer em menos de duas décadas.”