Presidente dos EUA alega “ameaça ao dólar” ao impor sanções comerciais a membros do Brics, incluindo Brasil e Índia, e amplia tensão geopolítica em meio à expansão do bloco
Brics na mira de Washington
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, justificou a imposição de tarifas de 25% sobre produtos importados da Índia com um ataque direto ao Brics, bloco que reúne economias emergentes. “Eles têm o Brics, que é basicamente um grupo de países anti-Estados Unidos”, declarou o republicano, em entrevista na Casa Branca na última quarta-feira (30). “É um ataque ao dólar, e não vamos permitir que ataquem o dólar.”
Trump ainda sinalizou a intenção de impor sanções adicionais aos países membros do grupo, embora sem detalhar quais medidas seriam adotadas.
A hostilidade do mandatário norte-americano cresceu após a cúpula do Brics no Rio de Janeiro, quando o bloco criticou as políticas tarifárias dos EUA e propôs reformas no Fundo Monetário Internacional (FMI), além de estimular o uso de moedas alternativas ao dólar.
Brasil também sofre retaliação
A partir desta quarta-feira, 6 de agosto, as exportações brasileiras enfrentarão uma tarifa de 50% — uma das mais elevadas do pacote sancionado por Trump. Contudo, cerca de 700 produtos foram poupados, entre eles suco de laranja, aeronaves civis e petróleo.
O ex-presidente Jair Bolsonaro foi usado como justificativa adicional por Trump, que classificou o julgamento contra seu aliado no Supremo Tribunal Federal como uma “injustiça”. Embora não tenha citado o Brics diretamente nesse contexto, o republicano já havia prometido taxar em 10% as nações alinhadas às “políticas antiamericanas do bloco”. “Não haverá exceções a essa política”, afirmou o presidente americano nas redes sociais, em julho.
Crescimento do Brics incomoda Washington
Atualmente composto por Brasil, Rússia, China, Índia, Irã, Etiópia, Indonésia, África do Sul, Emirados Árabes Unidos e Egito, o Brics representa quase metade da população mundial e cerca de 40% do PIB global. Para analistas, essa expansão é vista como uma ameaça à ordem internacional liderada pelos EUA.
“O Brics busca uma ordem multipolar, descentralizada, tanto no aspecto político quanto financeiro”, explica Marta Fernandez, professora de Relações Internacionais da PUC-Rio e diretora do BRICS Policy Center. “Isso confronta diretamente a hegemonia americana construída desde o pós-Segunda Guerra Mundial.”
Segundo Lucas Leite, professor da Faap, o interesse de dezenas de países em ingressar no bloco fortalece essa percepção. Somente em 2023, mais de 40 nações, incluindo Paquistão, Argélia, Bolívia e Cazaquistão, manifestaram desejo de adesão.
Alternativas ao dólar: o maior temor
Além da expansão política e institucional, o Brics também tem ampliado seus esforços para diminuir a dependência do dólar. Após ser excluída do sistema internacional de pagamentos Swift, a Rússia passou a promover plataformas digitais próprias para transações internas do grupo. A China, por sua vez, intensificou o uso do renminbi no comércio com países do bloco.
Embora ainda não exista uma moeda comum oficial, as discussões nesse sentido avançam. O presidente Lula tem defendido publicamente, há anos, a criação de uma alternativa monetária ao dólar nas transações entre os membros do Brics.
“Cansamos de ser subordinados ao Norte”, disse Lula na cúpula do Rio. “Queremos fazer comércio com nossas moedas, de forma soberana.”
Esse movimento é visto como uma “ameaça existencial” pelos EUA, segundo Fernandez. “Trump interpreta a tentativa de destronar o dólar como um ato de guerra.”
Tarifas como instrumento de pressão geopolítica
Desde que reassumiu o poder, Trump tem adotado tarifas elevadas contra diversos parceiros comerciais. Além da Índia e do Brasil, outros integrantes do Brics foram afetados: Etiópia, Egito e Emirados Árabes enfrentam taxa de 10%, Indonésia de 19%, e China e África do Sul, 30%.
Embora a relação com o Brics seja um fator relevante, os especialistas alertam para o uso estratégico das tarifas como ferramenta de dominação comercial e política. “Mesmo a Índia, considerada parceira dos EUA, foi atingida”, lembra Lucas Leite. “Trump está usando as tarifas como instrumento de chantagem e controle de mercados.”
A tarifa de 50% imposta ao Brasil é considerada um caso particular, por associar abertamente a medida ao julgamento de Bolsonaro — fato inédito. Além disso, o comércio bilateral entre Brasil e EUA gerou superávit para os americanos em 2024, no valor de US$ 7,4 bilhões.
Rachaduras ou fortalecimento do Brics?
A ofensiva norte-americana pode gerar efeitos distintos dentro do bloco. A ausência do presidente chinês Xi Jinping na cúpula do Rio, por exemplo, é vista por alguns analistas como tentativa de não tensionar ainda mais as negociações com Washington. Um acordo bilateral entre EUA e Indonésia, que reduziu tarifas previamente anunciadas, também é interpretado como sinal de cooptação individual dos membros do grupo.
Apesar disso, Marta Fernandez avalia que, a médio e longo prazo, o cerco de Trump tende a fortalecer os laços internos do Brics. “A pressão externa pode acelerar a coesão do grupo, que se vê compelido a resistir a um modelo considerado imperialista.”
Lucas Leite concorda e aponta para uma possível “decadência relativa” dos Estados Unidos na geopolítica global. “A China está sendo percebida como um ator mais confiável, que sabe negociar e que efetivamente defende o livre comércio.”
( Com Julia Braun da BBC Brasil em Londres )