Washington inicia retaliação tarifária contra o Brasil
Medida anunciada por Trump atinge café, carne e açúcar como retaliação ao julgamento de Bolsonaro; Brasil busca apoio internacional e avalia contestar ação na OMC
Entraram em vigor nesta quarta-feira (6) as novas tarifas de importação dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros, conforme prometido em julho pelo presidente Donald Trump. A taxação, que atinge até 50% sobre itens da pauta exportadora nacional, é uma resposta direta à continuidade do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), segundo aliados da Casa Branca.
Até então poupado da guerra tarifária global iniciada por Trump no início de seu segundo mandato, o Brasil via mantida a alíquota-base de 10%. Com a nova diretriz, produtos como café, carne bovina e açúcar passam a ser sobretaxados, embora parte da pauta — como aeronaves civis, veículos, suco de laranja e petróleo — tenha sido poupada da tarifa máxima.
Impacto parcial: maioria dos produtos ficou isenta
De acordo com o vice-presidente Geraldo Alckmin, as tarifas mais altas devem atingir aproximadamente 36% do total exportado pelo Brasil aos EUA. Ao todo, quase 700 produtos ficaram de fora da alíquota de 50%, o que ameniza os impactos da medida.
Valentina Sader, especialista em Brasil no Atlantic Council, afirmou que, embora as tarifas sejam desfavoráveis, o cenário poderia ter sido mais severo. “O governo brasileiro parece considerar subsídios a setores mais atingidos e pode buscar diversificação dos destinos de exportação”, declarou à AFP.
Brasil pressiona por exceções para café e carne
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, expressou confiança de que os Estados Unidos possam rever a decisão e incluir o café e a carne na lista de produtos isentos. Segundo ela, a alta de preços resultante da tarifa deverá influenciar a opinião pública americana.
“O café e a carne são muito valorizados por eles. Quando sentirem o impacto inflacionário, devem reavaliar”, afirmou Tebet. Ela destacou que o Brasil pode redirecionar o café para outros mercados diante da alta internacional, e que os EUA teriam dificuldade em substituir a carne brasileira.
Em 2024, o Brasil exportou 8,1 milhões de sacas de café ao mercado americano, equivalente a 16% de suas exportações do grão. Já a carne movimentou US$ 1,6 bilhão em vendas para os EUA no mesmo ano, respondendo por 16,7% dos embarques do setor.
Justificativas da Casa Branca: julgamento de Bolsonaro e censura a redes sociais
Embora os EUA mantenham superávit comercial com o Brasil desde 2009, Trump alegou que as novas tarifas respondem a “ameaças incomuns e extraordinárias” à segurança nacional, política externa e economia americana.
O decreto da Casa Branca menciona supostos abusos de direitos humanos e perseguição política por parte do governo brasileiro, destacando especificamente o tratamento dado ao ex-presidente Bolsonaro e a seus apoiadores.
A Casa Branca também apontou práticas brasileiras que, segundo o texto, afetam empresas americanas, como decisões judiciais que exigiram de redes sociais dos EUA a retirada de conteúdos, entrega de dados e moderação de conteúdo político. O bloqueio temporário da plataforma X (ex-Twitter), em 2024, foi citado como exemplo.
Pix na mira da retaliação comercial
Outro ponto sensível no decreto americano é a menção ao Pix, sistema de pagamentos criado pelo Banco Central do Brasil. Segundo a investigação aberta sob a seção 301 da legislação comercial dos EUA, o Pix seria uma prática “discriminatória” que prejudicaria empresas americanas do setor de pagamentos digitais.
O relatório da Representação de Comércio dos EUA (USTR) argumenta que o sistema brasileiro poderia comprometer a competitividade de firmas americanas envolvidas no comércio digital.
Sem diálogo direto entre Lula e Trump
As tarifas foram impostas sem qualquer conversa prévia entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump. O americano afirmou, no início de agosto, que Lula poderia “ligar a qualquer momento”. O brasileiro, por sua vez, declarou que pretende telefonar, mas para convidar Trump à Conferência do Clima da ONU (COP30), em novembro, em Belém.
“Não vou ligar para negociar tarifa. Mas vou convidá-lo à COP, assim como Xi Jinping e Narendra Modi”, disse Lula.
Governo avalia recorrer à OMC e recebe apoio da China
Diante das sanções, o Planalto estuda acionar a Organização Mundial do Comércio (OMC), alegando que as tarifas violam acordos internacionais e representam um risco à arquitetura global de comércio. Contudo, o recurso pode ser limitado, já que os EUA vêm bloqueando o funcionamento da OMC ao não indicar árbitros para suas disputas.
A China, principal parceiro comercial do Brasil, expressou apoio ao governo Lula. Em contato com o assessor especial Celso Amorim, o chanceler chinês Wang Yi declarou que Pequim é contra interferências externas “desarrazoadas” nos assuntos internos do Brasil — uma crítica indireta à postura da Casa Branca.