Grupo M23 impõe domínio sobre Rubaya, responsável por 15% da produção mundial de coltan, essencial para a indústria de eletrônicos
Trabalho exaustivo alimenta cadeias globais
No coração das colinas verdes da província de Kivu do Norte, no leste da República Democrática do Congo, milhares de trabalhadores se revezam todos os dias na extração de coltan, um mineral essencial para a fabricação de celulares e outros dispositivos eletrônicos. A mina de Rubaya, atualmente sob controle dos rebeldes do M23, foi aberta recentemente à visita da BBC, revelando um cenário de intensa atividade e organização informal.
Cavadores, carregadores e lavadores se dividem em tarefas ao longo de uma área escavada e irregular, onde túneis se multiplicam por entre a terra nua e poeirenta. O objetivo final é o tântalo — metal raro obtido a partir do coltan e insubstituível na produção de componentes eletrônicos.
“Temos mais de 10 mil trabalhadores ativos aqui todos os dias”, afirmou Patrice Musafiri, supervisor da mina indicado pelo M23. Ele guia os visitantes com cautela pelo terreno íngreme e acidentado. Segundo ele, o grupo rebelde estabeleceu regras claras: armas não são permitidas na área e há um departamento interno que regula segurança e resolve disputas entre trabalhadores.
Condições precárias, mas com alívio temporário
Apesar dos riscos inerentes à atividade subterrânea, como calor extremo e presença de gases tóxicos, muitos trabalhadores enxergam na mineração uma oportunidade de sobrevivência. “A mineração mudou minha vida”, disse Peter Osiasi, que conseguiu juntar recursos para se casar e constituir família.
Ainda assim, a remuneração segue baixa. “Ganhamos muito pouco”, lamenta ele, enquanto se prepara para mais uma jornada nas galerias. A aparente estabilidade, segundo Osiasi, permite pelo menos trabalhar “sem medo”, um ganho importante após décadas de conflito armado constante na região.
Disputa por riquezas atrai o olhar do Ocidente
Rubaya responde por cerca de 15% do coltan mundial e abriga metade das reservas conhecidas do mineral no Congo. Ao longo dos anos, seu controle passou por diversos grupos armados, incluindo o próprio exército congolês. Hoje, com o M23 no comando, o local se tornou novamente alvo de interesse internacional — inclusive dos Estados Unidos.
No fim de junho, um cessar-fogo mediado em Washington foi assinado entre a República Democrática do Congo e Ruanda, embora o M23 não tenha participado diretamente. O grupo, dominado por integrantes da etnia tutsi, assumiu nos últimos meses o controle de áreas estratégicas, como as cidades de Goma e Bukavu, além de dois aeroportos. A ONU acusa o governo ruandês de apoiar os rebeldes, algo que Kigali nega.
O presidente Donald Trump afirmou, antes da assinatura do acordo, que os EUA estão garantindo “muitos direitos minerais” no Congo. Embora os termos exatos não tenham sido revelados, o comentário sinaliza uma possível troca de apoio político por acesso às riquezas minerais do país.
Investidores estrangeiros miram Rubaya
Segundo o analista político Akramm Tumsifu, a expectativa do governo congolês é atrair empresas americanas para substituir a predominância chinesa no setor mineral. A presença desses investidores, acredita ele, pode funcionar como elemento dissuasor para novos confrontos armados.
Patrice Musafiri, o supervisor da mina, defende que qualquer investimento externo seja condicionado a contrapartidas sociais. “Queremos escolas, hospitais, empregos. Só aceitamos quem vier para desenvolver a região e melhorar o salário dos mineiros.”
Contudo, ainda não está claro com quem esses investidores negociariam, uma vez que o M23 permanece no controle de fato da região. Um processo de mediação conduzido pelo Catar busca reunir grupos armados e o governo congolês para uma solução mais abrangente e legítima.

Paz frágil e futuro indefinido
A Aliança do Rio Congo, coalizão da qual o M23 faz parte, rejeitou o acordo assinado em Washington, argumentando que ele não aborda as raízes do conflito. Os rebeldes dizem lutar para garantir os direitos da minoria tutsi na região.
Enquanto a instabilidade política e os interesses geopolíticos se entrelaçam no leste do Congo, os trabalhadores da mina de Rubaya seguem extraindo coltan das profundezas da terra. E, apesar da exaustão e dos baixos salários, alimentam a esperança de que a trégua traga algum alívio.
“Só queremos paz e dignidade”, resume Peter Osiasi. “E um salário justo pelo trabalho que fazemos aqui todos os dias.”
( Com BBC NEWS BRASIL )