Nova proposta dispensa frequência obrigatória em autoescolas e busca ampliar acesso à habilitação para milhões de brasileiros
Projeto prevê fim da exigência por autoescolas
O governo federal apresentou uma proposta que poderá transformar o processo de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no Brasil. Anunciado pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, o projeto propõe o fim da obrigatoriedade de frequentar autoescolas, permitindo que os candidatos se preparem de forma autônoma ou com instrutores credenciados individualmente. A medida tem como principal objetivo democratizar o acesso à CNH, especialmente entre jovens de baixa renda, e reduzir em até 80% os custos do processo.
Atualmente, o valor médio para se habilitar é de R$ 3.215,64, sendo que aproximadamente 77% desse total corresponde aos serviços prestados pelos Centros de Formação de Condutores (CFCs). Com a flexibilização proposta, o candidato poderá estudar por conta própria ou contratar um instrutor registrado junto aos Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans) e à Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), submetendo-se apenas às provas teórica e prática.
Inclusão social e estímulo à formalização
A proposta está alinhada a experiências internacionais e visa enfrentar um problema estrutural: mais de 40 milhões de brasileiros têm idade legal para dirigir, mas não possuem habilitação, segundo dados do Ministério dos Transportes. O principal fator apontado é o alto custo do processo atual.
É o caso de Henrique Souza, 22 anos, atendente de supermercado no Distrito Federal. Ele relata que sonha em dirigir, mas não consegue pagar pelas aulas. “Se meu pai pudesse me ensinar e eu só fizesse as provas, já resolveria. Eu poderia estudar no meu tempo livre e aprender com quem confio”, afirmou.
A iniciativa também pretende combater um dado alarmante: 39% dos motoristas de carro e 45% dos condutores de motocicleta dirigem sem habilitação no país, conforme apontou o Ministério.
Autoescolas continuarão funcionando
Apesar da flexibilização, o governo nega que as autoescolas serão extintas. Segundo Renan Filho, elas continuarão à disposição de quem optar pelo modelo tradicional de ensino. “Não estamos acabando com as autoescolas. Estamos oferecendo uma alternativa para quem não pode pagar pelos serviços atuais”, explicou.
O secretário Nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, ressaltou que o novo formato amplia a autonomia dos candidatos e contribui para a inclusão social. “É um modelo menos burocrático, mais acessível e que não abre mão da segurança”, afirmou.
Já o Departamento de Trânsito destacou a importância de manter a qualidade da formação. “A educação no trânsito é prioridade e salva vidas. Tornar a CNH acessível não pode significar negligenciar a formação adequada dos condutores”, declarou o órgão ao Correio.
Especialistas criticam proposta e alertam para riscos
A proposta, no entanto, gera preocupação entre especialistas. Para a educadora de trânsito Márcia Pontes, referência nacional no tema, a medida pode comprometer ainda mais a segurança viária no país. “O processo de formação tem falhas, mas é a única estrutura existente. Cortá-la é uma irresponsabilidade. É uma medida catastrófica”, afirmou.
Ela lembra que o Brasil está entre os países com maior número de mortes no trânsito e ressalta que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em vigor desde 1998, é reconhecido internacionalmente por seu viés educativo. “O problema não está no código, mas em sua má execução”, criticou.
Modelo é adotado em outros países
O Brasil não seria pioneiro nesse modelo. Diversos países já permitem que os candidatos à habilitação façam o processo sem a obrigatoriedade de cursar aulas em autoescolas. Veja alguns exemplos:
- Estados Unidos: em vários estados, é suficiente ter a idade mínima e ser aprovado nos exames.
- Argentina: não há exigência de aulas formais.
- México: em certos estados, basta pagar a taxa e passar nos testes.
- Reino Unido: os candidatos podem estudar por conta própria e se submeter diretamente aos exames.
- Japão, Suécia, Finlândia, Estônia e Austrália: adotam modelos flexíveis com instrutores independentes ou estudo autônomo.
Nessas nações, a adoção de processos mais acessíveis tem como objetivo ampliar a inclusão, reduzir custos e garantir autonomia aos candidatos, mantendo os critérios de avaliação para a segurança no trânsito.
Próximos passos
Inicialmente, a proposta será aplicada às categorias A (motocicletas) e B (automóveis), podendo futuramente ser estendida a motoristas profissionais. O projeto ainda está em fase de elaboração e aguarda aval da Casa Civil. O Ministério dos Transportes informou que o texto final e os detalhes operacionais seguem em discussão.